sábado, 24 de dezembro de 2011

Máximas Inflexivas Natalinas


Então é Natal.
As músicas piegas que nos fazem pensar que o mundo melhor é o nosso ecoam pelas caixas de som que surgem, altaneiras, nos becos de lojas de um centro nervoso urbanamente complexo. As decorações importadas surpreendem em valores e tomam de assalto as mesmas praças nas quais profetas profanos, profícuos, proferem suas preferências pelas reflexões sobre o sentido daquilo que se sente, mas cujo conceito não se assenta: o que, afinal, é o Natal?

Como uma canção que se reconhece pela melodia mas não se sabe a letra...
o Natal é facilmente perceptível pelas ruas, casas e esquinas de uma cidade, ainda que quase ninguém saiba exatamente o que ele é. Basta ver jovens travestidos com barbas e barrigas nem sempre postiças; combinações de vermelho e de verde – cores extremamente opostas e inconciliáveis para nosso país – e muita gente querendo fazer a boa ação esquecida em um ano durante uma semana, para saber que o Natal está na área. Mas dizer, de primeira, o que ele é, essa é tarefa mais difícil do que convencer um eleitor de que José Serra é simpático e eficiente.

Dizer que o Natal é uma festa religiosa não vale...
creio que 70% dos que celebram o Natal o fazem sem pensar, sequer em um segundo, sobre questões relativas ao nascimento de Cristo ou à Encarnação do Verbo. Por outro lado, entende-la como uma festa profana é inverter por demais o conceito do evento. Uma festa híbrida (e não sincrética) – ei-la, poderíamos assim defini-la com larga vantagem de ausência de erro.

Mas o que é uma festa se não um momento que se comemora coletivamente?
Então o Natal não é uma festa – imaginemos o Natal comemorado em praça pública, com shows e barraquinhas, à meia-noite do dia 24? Assim, o Natal é um evento estranho – público na mídia, nas lojas, nas Igrejas, mas familiar – quase patriarcal – celebrado dentro dos lares, portas abertas a parente e amigos mais próximos, mas fechada ao público. Um ritual de casa, e não de rua, diria Roberto Da Matta.

Para uns, o Natal torna-se uma boa desculpa para se sentir obrigado a fazer o que mais alegra: reunir a família em confraternização que vara a madrugada.
Sim – já reparamos o quanto é difícil fazermos cotidianamente aquilo que mais nos encanta, ao ponto de necessitarmos de uma reles motivação, vil e cronológica, por vezes, para realizar, em um dia mítico e místico, exatamente aquilo que desejaríamos tecer todos os dias?

O Natal, assim, é muito mais um conceito-para-mim e muito menos uma imagem para um nós que nunca existiu
Assim, esse Natal-para-mim é poder trocar um dedo de prosa com o mais sorridente mendigo da esquina. É viajar para o povoado menos pretendido do verão e voltar toda semana.

É andar sem relógio no pulso e sem sapatos nos pés. É transitar pela rua de bermuda de propósito, para não poder adentrar prédios públicos. É ouvir os ensinamentos de uma doce senhora apenas quando tenho vontade – e é ter vontade sempre. É escutar um velho amigo lembrar do passado e saudar seu olhar futurista. Natal-para-mim é ver borrões de verdade em cada desenho sem querer é mudar de uma rua para a outra e ter a certeza de que começa uma nova vida. É enxergar um novo caminho a cada curva do próprio quarto.

É escrever este texto, com a certeza de que ele não mudará vidas, mas adiará, por segundos, os minutos incessantes de mesmices que assolam os seus dias.

Feliz Natal.

Retirado do Incrivel Blog do meu parceiro e amigo Rafael Peçanha.

http://www.rafaelpecanha.blogspot.com/


Um comentário:

  1. Salve, salve Frei Eduardo Eduardo, como sempre formidável e certeiro como o melhor dos arqueiros, vai bem na alma, bem na ferida que se encontra exposta,mas camuflada por trás do nosso sentimento de superioridade.
    Obrigado por mais esta obra.
    Que Deus te conserve. Salamaleiko.

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