terça-feira, 26 de novembro de 2013

Ética indigena e espiritualidade - outros paradigmas!



Olá, caros leitores do Blog!
A algum tempo sem postagens, retomo a tarefa de manter o blog atualizado, apresentando a vocês um e-mail que recebi de um irmão querido na Fé, que hoje compartilha uma espiritualidade profundamente mística e humanizadora. Este texto é uma espécie de síntese das linhas-mestras da espiritualidade indígena americana, mas infelizmente não tenho a fonte original da matriz do mesmo.
Acredito mesmo que tais valores elencados nestas linhas possam nos ajudar a viver melhor o nosso cristianismo, e nele, sermos melhores pessoas para o "novo" que surge todos os dias em nossa história.
Boa leitura a todos!
Salamaleiko!


1. Levante com o Sol para orar. 
Ore sozinho. Ore com frequência.
O Grande Espírito o escutará se você, ao menos, falar.

2. Seja tolerante com aqueles que estão perdidos no caminho. 
A ignorância, o convencimento, a raiva, o ciúme e a avareza, originam-se de uma alma perdida. 
Reze para que eles encontrem o caminho do Grande Espírito.

3. Procure conhecer-se, por si próprio. 
Não permita que outros façam seu caminho por você. 
É sua estrada, e somente sua. Outros podem andar ao seu lado, mas ninguém pode andar por você.

4. Trate os convidados em seu lar com muita consideração. 
Sirva-os o melhor alimento, a melhor cama e trate-os com respeito e honra.

5. Não tome o que não é seu. 
Seja de uma pessoa, da comunidade, da natureza, ou da cultura. 
Se não foi ganho nem foi dado, não é seu.

6. Respeite todas as coisas que foram colocadas sobre a Terra. 
Sejam elas pessoas, plantas ou animais. Tudo vive, tudo tem vida, mesmo que não percebamos.

7. Respeite os pensamentos, desejos e palavras das pessoas. 
Nunca interrompa os outros nem ridicularize, nem rudemente os imite. 
Permita a cada pessoa o direito da expressão pessoal.

8. Nunca fale dos outros de uma maneira má. 
A energia negativa que você colocar para fora no universo, voltará multiplicada a você. (Grande desafio!)

9. Todas as pessoas cometem erros. 
E todos os erros podem ser perdoados. Errar faz parte de todos os grandes processos pedagógicos, e quem ainda não errou feio, um dia cairá !)

10. Pensamentos maus causam doenças da mente, do corpo e do espírito. 
Pratique o otimismo, o pensamento positivo eleva a alma e purifica os rins.

11. A natureza não é para nós, ela é uma parte de nós. 
Toda a natureza faz parte da nossa família Terrena, e compreende-la assim, muda toda a nossa visão de mundo.

12. As crianças são as sementes do nosso futuro. 
Plante amor nos seus corações e ágüe com sabedoria e lições da vida. 
Quando forem crescidos, de-lhes espaço para que cresçam.

13. Evite machucar o coração das pessoas. 
O veneno da dor causada a outros, retornará a você.

14. Seja sincero e verdadeiro em todas as situações. 
A honestidade é o grande teste para a nossa herança do universo.

15. Mantenha-se equilibrado. 
Seu Mental, seu Espiritual, seu Emocional, e seu Físico, todos necessitam ser fortes, puros e saudáveis.
Trabalhe o seu Físico para fortalecer o seu Mental.
Enriqueça o seu Espiritual para curar o seu Emocional.

16. Tome decisões conscientes de como você será e como reagirá. 
Seja responsável por suas próprias ações.

17. Respeite a privacidade e o espaço pessoal dos outros. 
Não toque as propriedades pessoais de outras pessoas, especialmente objetos religiosos e sagrados. 
Ninguém tem o direito de invadir o "santuário da intimidade de outrem!

18. Comece sendo verdadeiro consigo mesmo. 
Se você não puder nutrir e ajudar a si mesmo, você não poderá nutrir e ajudar os outros.

19. Respeite as outras crenças religiosas. 
Não force sua forma de pensar sobre os outros. Além de parecer arrogância religiosa, tal atitude degenera em soberba intelectual.

20. Compartilhe sua boa fortuna com os outros. 
Participe da vida das pessoas semeando caridade. 

Creio mesmo que precisamos re-aprender algumas "coisas" olhando para este código de Ética.
A começar em mim, a obra ainda precisa de artesãos de uma nova História...

Paz e bem!

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Igreja e Novos Paradigmas Sociais.



Para início de conversa...
Terminei esta semana a leitura do livro "Diálogos Noturnos em Jerusalém", lançado pela editora Paulus no Brasil, e em minha opinião, um dos mais concisos e pertinentes ao momento que a Igreja vive hoje, depois da eleição do Cardeal Bergoglio ao papado. 

Um pouco de história...
Seu autor, o Cardeal Martini, é uma das mais importantes figuras do cenário eclesial contemporâneo. Inserido na tradição jesuíta, foi Arcebispo de Milão entre os anos de 1980 e 2002, e por muitos anos um forte candidato à sucessão papal. Ao completar 75 anos de idade, deixou a diocese de Milão e passou a morar na casa dos jesuítas em Jerusalém, considerada a “cidade do seu primeiro amor”.

O título do livro é bem sugestivo... 
Os diálogos são noturnos, pois “a noite é tempo de escuridão, da imaginação, de sentidos mais aguçados”. E o meio da noite já anuncia ao dia em seu momento virginal. 

Em tempos de “inverno eclesial”, Martini aponta o sonho de uma Igreja corajosa e ousada. 
O cardeal tem em seu horizonte o impulso profético que sinaliza o desafio de transmitir aos outros não as decepções da vida, mas os sonhos mais decisivos. E esses sonhos “nunca envelhecem”. Confessa, porém, que não alimenta hoje muitos sonhos ou esperanças numa Igreja jovem: 

“Aos 75 anos me decidi a rezar pela Igreja. Olho para o futuro (...). A utopia é importante. Só quando você tem uma visão é que o espírito o eleva acima de querelas mesquinhas”.

Igreja e Pós-modernidade...
"Acredito na possibilidade de uma Igreja mais sintonizada com o tempo, mais compreensiva e solidária com as dores reais das pessoas, uma Igreja mais disponível aos apelos dos jovens, mais integrada à realidade da vida. De forma corajosa, a hierarquia têm nas mãos o desafio eclesial de encontrar uma palavra nova para iluminar a reflexão dos cristãos quanto ao campo da sexualidade humana e da família."

“Se a Igreja usasse uma linguagem mais compreensiva, tenho certeza de que ela recuperaria a credibilidade das pessoas e a competência entre seus discursos e sua práxis."

A Igreja e os temas polêmicos da atualidade....
"A meu ver, a Igreja não pode de modo algum esperar tanto tempo para falar sobre os temas que tratam da vida e do amor com mais abertura. A Igreja não pode ter medo de abordar igualmente as questões candentes, como o celibato sacerdotal: 

"Em minha opinião nem todas as pessoas chamadas ao sacerdócio têm este carisma, e por isso, antevejo a possibilidade da ordenação de homens casados, “experimentados e confirmados na fé”, como um dos temas mais urgentes a serem tratados neste papado".

Igreja e a questão da Homossexualidade...
"Também creio que o homossexualismo, esta orientação tão antiga e presente na sociedade hoje, a meu ver, mereceria um tratamento mais sereno e humano por parte da Igreja. A Igreja deve trabalhar em favor de uma nova cultura da sexualidade e do relacionamento, e alimentar um profundo respeito à dignidade da pessoa humana, também no âmbito da sexualidade."

Igreja e Ecumenismo...
Em vários momentos do livro, o Cardeal Martini fala da importância do diálogo da Igreja com as diversas expressões religiosas e do desafio imprescindível de entrar no mundo do outro. 

As religiões têm, para ele, um papel essencial em nossos tempos: 

Todas as Igrejas, todas as religiões têm como objetivo fazer o bem neste mundo, tornar o mundo mais luminoso, e devem ajudar cada ser humano a encontrar sua pátria em Deus”. 

Igreja e abertura ante dos sinais dos tempos...
Não há como manter-se fechado e enclausurado no círculo estreito de uma única tradição. Há que se deixar surpreender por Deus, pois “o Espírito sopra onde quer” e o “estupor pode também conduzir-nos a Deus”. 

Igreja e proximidade ao povo...
Na visão de Martini, o desafio de ir ao encontro do outro, com atenção e delicadeza, traduz um dos caminhos que levam a Deus. Isso é viver verdadeiramente a abertura universal. Para superar a “estreiteza do coração” é necessário alargar as fronteiras:

“Não se pode fazer um Deus católico. Deus está além dos limites e das definições que estabelecemos. Precisamos de limites na vida, mas não podemos confundi-los com Deus, cujo coração é sempre maior”.


Diálogos Noturnos em Jerusalém
(sobre o risco da fé)
Editora Paulus, 2002.
Brasil

http://www.paulus.com.br/loja/dialogos-noturnos-em-jerusalem-sobre-o-risco-da-fe_p_782.html

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Novos Sinais: para uma leitura teológica sobre Francisco.





Acompanhamos entusiasmados cada aparição do papa Francisco na mídia. 
Toda vez que a figura do Papa é citada bate dentro de nós uma sensação de que algo novo tematicamente está para emergir. Fico me perguntando: o que representa para tanta gente a pessoa de Francisco? Por quê temos esse anseio de abrir o coração e o ouvido para auscutar os novos insights que surgem a cada dia do coração do Romano pontífice?
Sem perceber, intuimos que de alguma forma, o novo Papa representa um ponto sólido na modernidade líquida. Ele quer ser, na sequencia de seus antecessores, uma referência religiosa e moral num mundo sem referências. Homem de uma personalidade íntegra e coerente em meio à fragmentação do pensamento contemporâneo. 
Talvez possamos elencar aqui, sem a devida comparação, três fatores que podem ilustrar essa hipótese, três aspectos que diferenciam o Papa Francisco de seus antecessores.

Antes de mais nada, com o papa Francisco percebemos o primado da caridade sobre a teologia e o dogma. 
Claramente o ministério petrino do Papa Francisco deslocou o centro das atenções. Em lugar da rigidez doutrinal e das articulações bíblico-teológicas, o braço estendido a quem tem a vida mais ameaçada, aos aflitos, aos pequenos, aos últimos aos migrantes e refugiados. 

"Suas visitas, palavras e gestos acentuam essa força solidária em favor dos pobres e necessitados. A transparência luminosa de um "bom dia”, "boa tarde”, "bom almoço” substituem a face dura e severa de uma teologia eclesiástica não raro incompreensível à maioria das pessoas mais simples".

A proximidade espiritual com São Francisco!
Como não lembrar a memória e as marcas do "pobre de Assis”, de quem o Papa escolheu o nome! Por outro lado, já o apóstolo Paulo concluía o seu poema na Primeira Carta aos Coríntios afirmado que "agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade. A maior delas, porém, é a caridade” (1Cor 13,1-13). O que não significa que a teologia e dogma devam ser descartados, longe disso, mas evidencia-se uma inflexão que procura acentuar a figura do Bom Pastor. 

"Com o papa Francisco, o lado pastoral prevalece sobre o arcabouço teológico. Não é novidade que um gesto de atenção e solidariedade vale mais que mil palavras..."

Com o papa Francisco, está em voga o primado da misericórdia sobre o julgamento. 
Trata-se, em verdade, da continuidade do tema anterior. A exemplo de Jesus, o Papa Francisco recusa-se a apontar o dedo em riste sobre as feridas do pecado e do afastamento das pessoas em relação a Deus e à Igreja. Jamais fecha a porta a um coração arrependido nem volta as costas a quem o procura com sinceridade. Ao contrário, através do perdão, oferece a oportunidade de levantar a cabeça e começar de novo. 

"Se as pessoas marginalizadas pela sociedade procuram a Deus no íntimo de sua consciência, "quem sou eu para julgá-las”, pergunta-se com humildade o Papa." 

Com um semblante sereno, sorriso largo e braços abertos representa um convite àqueles que se sentem excluídos de uma Igreja que, ao longo dos séculos, bateu duramente sobre a tecla do pecado. 

Também aqui não se exclui o julgamento e a condenação do mal e do pecado. 
O que se procura é salvar o pecador que se abre à conversão. "Vai e não pesques mais” (Jo 8, 12), diz Jesus à mulher surpreendida em adultério. Não justifica o pecado, mas amplia os horizontes de quem aceita a Boa Nova do Evangelho. Novamente o Bom Pastor em busca da "ovelha perdida”. Não sem razão o Papa Francisco compara a Igreja a um hospital de campanha, cuja preocupação primordial é "curar as feridas”.

Por fim, com o papa Francisco acontece o primado do poder-serviço sobre o poder-autoridade. 
Esta opção sobrepõe a presença e a comunicação direta à distância e a uma teologia que, pretensamente, procurava defender a dignidade do sucessor de Pedro. Dignidade que, muitas vezes, acabava por acentuar a pompa do vestuário, a solenidade ostensiva e exagerada da liturgia, o sistema de segurança e, no limite, um autoritarismo mesmo que indesejado. 

No caso do atual Pontífice, impressionam os encontros com indivíduos e grupos, as entrevistas com os jornalistas e, mais ainda, os telefonemas a pessoas que padecem de algum problema grave. 

"Sem intermediários e sem o peso da burocracia, o Santo Padre dirige-se pessoal e diretamente a gente anônima, que pede socorro e espera uma palavra de conforto. Importa aqui a necessidade e a urgência, não o título ou a posição social."

O Papa Francisco inova como "chefe de estado” e como "pastor supremo” da Igreja Católica.
O papa rompe todas as barreiras que o afastam dos mais necessitados. Faz-se presente onde a dor, a fome e a solidão (três irmãs gêmeas) são mais prementes. Tudo isso, evidentemente, não exclui a validade das cartas pastorais, encíclicas e documentos pontifícios. Mas o contato simples e direto, com a atenção voltada à pessoa, deixa marcas que vento algum poderá apagar.

Os três fatores apontados, complementares, entrelaçados e indissociáveis, nos levam a concluir com as palavras do Evangelho: "As pessoas ficavam admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus falava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei” (Mc 1,22). Não que o Papa Francisco, até o momento, tenha dito algo de novo, inédito e extraordinário. 

Novo, inédito e extraordinário é o seu modo simples, direto e genuíno de dirigir-se a todos e a cada um. Espero ter tempo de ver as possíveis mudanças que o vento do Espírito pode estar trazendo à nossa geração.

Salamaleiko.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Um outro mundo possível.




De onde vêem nossos sonhos?
Por que temos a leve convicção de que o melhor ainda está para acontecer?
Porque acreditamos piamente que a esperança é o motor da História?
Ou ainda: por que não ficamos quietos, recostados no presente, reclinados na parede da aceitação, abraçados ao que a realidade nos apresenta? 

Por que temos fases na vida em que nosso olhar fica voltado para cima e o nosso coração enamorado pelo amanhã e nossos pés inquietos, buscando sempre novas paisagens?
Por que nunca nos preenche o que somos e não nos basta o que temos?

Sei que estas perguntas podem parecem idéias de um adolescente apaixonado, mas creio que elas são, na verdade, o mistério do humano: um coração inquieto, insensatamente apaixonado pelo eterno, pelo real, e também pelo que ainda não é. Pelo que a esperança faz nascer, dentro da gente!

Cremos no amanhã, construído já no hoje.
Amamos a vida e sentimo-nos bem no mundo, apreciamos viver e somos gratos à Deus. Belos são os trabalhos de nossas mãos e as nossas conquistas nos enchem de orgulho, legitimamente. Por isso seguimos em frente...

Mas no mais íntimo de nós mesmos, indelével, ficará sempre um confuso sentimento de que isso que somos e conquistamos e construímos ainda não é tudo; que podemos ser melhores, que a realidade pode ser mais justa e o mundo mais belo e que o principal está ainda por vir. 

O vazio existencial.
Falta sempre algo, há sempre o vazio de uma misteriosa ausência, uma doce e amarga nostalgia de uma coisa que não tem nome. Seria a falta do amor?
Acho que é justamente aqui que nos sentimos pobres, desajustados, tristes e o somos, de fato. E por isso sofremos e choramos (mesmo se o amor estiver presente!).

Mas é exatamente no ventre desta pobreza e desta dor que gestamos nossas esperanças, imaginações, nossos desejos e sonhos. É justamente nesse estado de insatisfação consigo mesmo que são geradas nossas rebeldias e crises, nossas visões e nossa criatividade, nossas utopias, nossa sede por DEUS e pelo amor. 

Um outro MUNDO possível.
É porque somos pobres, que sonhamos, esperamos, buscamos, rezamos e amamos. 
E no entanto: se sonhamos, esperamos e buscamos, é porque nossos limites, nossa pequenez e nossa pobreza não são a nossa última verdade. Pois se sofremos com as nossas limitações é porque somos infinitos, se nos sentimos como que errantes, peregrinos e sem lugar (utópicos!) neste mundo, é porque não é aqui a nossa pátria, o lugar definitivo de nossos passos, e, se choramos com a morte, é porque somos eternos  e sentimos saudade do que ainda não somos.

Morte e vida na fronteira.
Gerada no seio de nossa penúria, a utopia e a esperança são filhas da nossa grandeza, um criativo protesto contra a momentânea esterilidade do presente, uma declaração de amor pelo que ainda não é, narrativa de uma ausência que nos cativou o coração. Temos um  futuro fecundando o presente e por isso cremos:

"O melhor, de fato, ainda está por vir..."

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Morte e Vida na Fronteira - Deus e o mundo.




Um paradigma teológico central.
Já faz tempo que desejo escrever sobre uma das mais belas atribuições da teologia: conceber a Deus como Pai, como puro amor e bondade. Estou convencido de que essa afirmação ( Deus, antes de tudo é pai!) pode – e talvez deva – reconfigurar toda a teologia: oferecer uma outra visão, uma outra perspectiva sobre todos os temas fundamentais da fé cristã.

Comunicar a Fé no mundo hoje!
Creio que o melhor modo de poder dizer alguma coisa ao mundo sobre Deus seja partindo desta afirmativa da paternidade divina. Não é o caminho das teorias aquele que poderá encontrar a saída para a atual situação de "confusão" no universo da religião, senão o da experiência, o da vivência: nela é mais fácil que todos nos encontremos; e, se asseguramos algo assim na igreja, não seria difícil ir elaborando uma nova configuração teórica sobre o próprio Deus.

O Fundamento maior da religião.
As religiões existem para ajudar o maior número de pessoas possíveis a encontrarem uma pátria em Deus.

Infelizmente também a religião vê-se muitas vezes carregada com um peso que não é dela: experimentada como imposição mais ou menos repressiva. Aparece como religião do dever, da limitação da existência e da liberdade humana. A religião da exigência, que não permite descansar…Falso!

"O peso da vida não é o peso da religião, senão o peso da existência como tal. É o fato de ser humano, de se realizar como pessoa, aquilo que acaba sendo difícil."

Ser "pessoa": eis aí a exigência, o chamado que leva para frente, a tarefa e a dura realidade da construção da liberdade.

Religião e libertação.
A religião vem, justamente, tornar mais suportável essa tarefa. Oferece a companhia do Senhor, seu amor, seu apoio, sua promessa, sua luz, seu projeto seguro… 
A pessoa religiosa tem de fazer o mesmo que os demais – ser pessoa – , porém conta para isso com a alegria de magnífica ajuda. A tem de ser vista como Evangelho, como boa notícia, senão corre o risco de se tornar um mero mecanismo funcional da história humana.

Daí a conclusão de que tudo o que impede de ver a religião como graça, como libertação, como fonte de alegria…pode constituir-se numa deformação de seu objetivo maior, ou até mesmo uma ‘blasfêmia’.

"Deus tem de aparecer sempre como ‘cúmplice’, como apoio, como ajuda na dura tarefa da construção da Vida. Ver sua mão estendida como peso que pune o ser humano é realmente a grande perversão, o grande mal-entendido da história da humanidade".

O cristão e o mundo - outro olhar.
O cristão não tira nada dos demais: oferece-lhes unicamente ajuda; não pretende impor-lhes uma carga: só quer dar uma mão; não os condena: oferece-lhes salvação; não os inveja: apenas sente pena de que careçam de algo tão magnífico; não quer mostrar-se agressivo, nem interessado, nem ansioso: alegra-se com sua possível felicidade, porém, gostaria que esta fosse plena…

"Não há, pois, nada duro que seja imposto ao ser humano pela religião: a dureza vem-lhe do próprio fato de ser humano; a dureza é o quinhão da existência humana: liberdade limitada. Nada traz a religião, senão ajuda, alívio e libertação para quem se encontra nessa situação."

Religião e opção fundamental da pessoa.
Essa ajuda divina no meio das crises humanas consiste, justamente, numa comunhão pessoal, num destino plenificador. A dureza da vida precisa ser assumida no seio da pessoa humana como visualização de um grande projeto de felicidade, de salvação. 

Deus precisa de novo ser visto como amor que salva, como refúgio seguro, como pai a quem se pede auxílio, como mãe que cuida e que ama ‘porque assim’ o faz, como aquele que, faz com que tudo esteja bem, em ordem.

"Deus é mão estendida para nosso exclusivo interesse: causamos dano a nós mesmos quando não O acolhemos; preparamos para nós trágica armadilha, tornando mais aguda a dureza da vida, quando cremos torná-la mais fácil."

Deus sofre em seu amor ao ver que aquele que é amado se recusa a ser feliz. 
Não podemos imaginá-lo como se estivesse preparando um castigo, quando a única coisa que pretende é presentear-nos com um dom, criar uma felicidade. O castigo é precisamente recusar o dom, privando-se da felicidade. 

O inferno é como morte, como ‘nada’. 
Não é castigo nem vingança. 
É fim.
E quantos o vivem assim? 


Texto retirado do Livro 
"Recuperar a Crianção"
Andrés Torres Queiruga
Editora Paulus, 2005.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Principais desafios para a Igreja no Novo Milênio - parte II.





Idéias retiradas do livro "Diálogos Noturnos em Jerusalém".
Paulus / Puc-Rio, 2012.
Cardeal Carlo Maria Martini

1- O desafio de uma Igreja sempre mais aberta ao encontro do outro:
com atenção e delicadeza, ir ao encontro do outro traduz um dos caminhos que nos levam a Deus. Isso é viver verdadeiramente a abertura universal que a fé em Jesus nos propõe. Para superar a “estreiteza do coração” é necessário alargar as fronteiras da Igreja no mundo: 

“Não se pode fazer um Deus católico. Deus está além dos limites e das definições que estabelecemos. Precisamos de limites na vida, mas não podemos confundi-los com Deus, cujo coração é sempre maior”.

2- A relação entre as religiões e o patrimônio dos povos.
Como reconhece o Cardeal Martini, as religiões são portadoras de um grandioso patrimônio espiritual: 

"As religiões existem para ajudar o maior número possível de pessoas a encontrar uma pátria em Deus”. 

O cardeal Martini relata que em sua longa experiência como padre e depois bispo, encontrou amigos em distintas tradições religiosas, entre os quais estão “os anjos que podemos encontrar aqui na terra”. Foram experiências novidadeiras, mas que jamais o distanciaram do cristianismo. Sublinha que, ao contrário, esse convívio fraterno com os outros reforçou o seu amor à Igreja. 

3- Abertura para o diálogo com "Os de fora da Igreja".
O exercício de abertura dialogal com os outros, requer, porém, a presença de amigos que possam servir de guia nessa travessia. E esse caminho vai revelar novas e mais profundas facetas do ser cristão. Não há que temer os “estranhos”. O diálogo com o islã, foi um dos mais aprofundados por Martini. Nos tempos de sua atuação na diocese de Milão escreveu o clássico texto "Nós e o Islã". O tema vem retomado no livro, trazendo facetas fundamentais que devem reger o diálogo entre as duas tradições religiosas. 

O cardeal Martini assinala três fundamentais tarefas da Igreja no aspecto do diálogo inter-religioso:
1º lugar- A eliminação de preconceitos e imagens distorcidas construídas ao longo da história do cristianismo. 
2º lugar- o reconhecimento das diferenças, mas também o desafio de afirmação da fé num único Deus. 
3º lugar- o exercício da práxis dialogal, da hospitalidade recíproca e da experiência comum de oração.

Toda essa abertura dialogal proposta pelo cardeal Martini tem sua raiz na fé de Jesus e no seu testemunho essencial de hospitalidade inter-religiosa. Na abertura do livro, o pe. Georg Sporschill dizia que o Cardeal Martini nos possibilita um encontro peculiar com Jesus, a partir de uma perspectiva distinta da apresentada pelo Papa Bento XVI em seu livro sobre Jesus de Nazaré. O que há de singular aqui é o traço de Jesus “amigo dos publicanos e pecadores. 

"O diferencial de Jesus nos Evangelhos é que Ele escuta as perguntas dos jovens. Ele provoca inquietação. Ele luta conosco contra a injustiça”. 

4- O amor inclusivo de Jesus como fonte de inspiração para a Igreja.
Para Martini, o que distingue o amor de Jesus é a sua experiência de amor que visibiliza o Deus misericordioso; e também a sua disponibilidade e abertura aos “estranhos”. 

"Jesus viveu em sua vida um “amor aberto”, sempre incluindo e nunca desprezando. Por essa capacidade, ele se torna exemplo para o cristão que ousa corajosamente entrar em diálogo com os outros."

Jesus é nosso mestre nessa abertura aos ´estranhos`, que no seu tempo eram os pagãos e os soldados romanos”. O Cardeal Martini sublinha em seu livro que o amor é o que há de mais essencial no nosso testemunho histórico, no nosso relacionamento humano. Seguindo a norma bíblica contida na versão original hebraica, há que amar o próximo, “porque ele é como tu”. E esse amor deve acontecer na atmosfera fundamental da bem-querença de Deus. 

5- Profissão de fé e testemunho de amor dos cristãos perante o mundo.
Há que “buscar a Deus com sinceridade e prontos a nos entregar a ele”. E isso, para Martini, é “muito mais importante que uma exterior profissão de pertença religiosa”. Num tempo carente de vozes proféticas, o livro do Cardeal Martini revela-se auspicioso. Acende a chama de esperança nos cristãos que acreditam num novo modo de ser Igreja.

Leitura recomendada!!

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Notas Iniciais: uma nova primavera na Igreja.




Notas Iniciais.
É arriscado fazer um balanço do pontificado de Francisco, pois o tempo decorrido não é suficiente para termos uma visão de conjunto. Numa espécie de leitura de cego que capta apenas os pontos relevantes, poderíamos elencar alguns pontos.

Uma nova primavera na Igreja?
1. Saímos de dois pontificados que se caracterizaram pela volta à grande disciplina e pelo controle das doutrinas. Tal estratégia criou uma espécie de inverno que congelou muitas iniciativas. Com o Papa Francisco, vindo de fora da velha cristandade europeia, do Terceiro Mundo, trouxe esperança, alívio, alegria de viver e pensar a fé crista. A Igreja voltou a ser um lar espiritual.

Abertura Eclesial?
2. De uma fortaleza a uma casa aberta:Os dois Papas anteriores passaram a impressão de que a Igreja era uma fortaleza, cercada de inimigos contra os quais devíamos nos defender, especialmente o relativismo, a modernidade e a pós-modernidade. O Papa Francisco disse claramente: "quem se aproxima da Igreja deve encontrar as portas abertas e não fiscais da alfândega da fé”; "é melhor uma Igreja acidentada porque foi à rua do que uma Igreja doente e asfixiada porque ficou dentro do templo”. Portanto mais confiança que medo.

Uma nova visão do ministério petrino?
3. De Papa a bispo de Roma: Todos os Pontífices anteriores se entendiam como Papas da Igreja universal, portadores do supremo poder sobre todas as demais igrejas e fiéis. Francisco prefere se chamar bispo de Roma, resgatando a memória mais antiga da Igreja. Quer presidir na caridade e não pelo direito canônico, sendo apenas o primeiro entre iguais. Recusa o título de Sua Santidade, pois diz que "somos todos irmãos e irmãs”. Despojou-se de todos os títulos de poder e honra. O novo Anuário Pontifício que acaba de sair cuja página inicial deveria trazer o nome do Papa com todos os títulos, agora aparece apenas assim: Francesco, bispo de Roma.

Um nome: uma missão?
4. Do palácio à hospedaria:O nome Francisco é mais que nome; sinaliza um outro projeto de Igreja na linha de São Francisco de Assis: "uma Igreja pobre para os pobres” como disse, humilde, simples, com "cheiro de ovelhas” e não de flores de altar. Por isso deixou o palácio papal e foi morar numa hospedaria, num quarto simples e comendo junto com os demais hóspedes.

Fé e Vida no chão da terra.
5. Da doutrina à prática: Não se apresenta como doutor; mas, como pastor. Fala a partir da prática, do sofrimento humano, da fome do mundo, dos imigrados da África, chegados à ilha de Lampedusa. Denuncia o fetichismo do dinheiro e o sistema financeiro mundial que martiriza inteiros países. Desta postura resgata as principais intuições da teologia da libertação, sem precisar citar o nome. Diz: "atualmente, se um cristão não é revolucionário, não é cristão; deve ser revolucionário da graça”. E continua: "é uma obrigação para o cristão envolver-se na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade”. E a Presidenta Cristina Kirchner disse: "é a primeira vez que temos um Papa peronista”, pois nunca escondeu sua predileção pelo peronismo. Os Papas anteriores colocavam a política sob suspeita, alegando a eventual ideologização da fé.

A salvação é dom de Deus.
6. Da exclusividade à inclusão: Os Papas anteriores, especialmente Bento XVI, enfatizaram a exclusividade da Igreja Católica, a única herdeira de Cristo fora da qual se corre risco de perdição. O Francisco, bispo de Roma, prefere o diálogo entre as Igrejas numa perspectiva de inclusão, também com as demais religiões no sentido de reforçar a paz mundial.

O mundo como local do encontro.
7. Da Igreja ao mundo: Os Papas anteriores davam centralidade à Igreja reforçando suas instituições e doutrinas. O Papa Francisco coloca o mundo, os pobres, a proteção da Terra e o cuidado pela vida como as questões axiais. A questão é: como as Igrejas ajudam a salvaguardar a vitalidade da Terra e o futuro da vida?

Como se depreende, são novos ares, nova música, novas palavras para velhos problemas que nos permitem pensar numa nova primavera da Igreja.

[Leonardo Boff é teólogo e autor de Francisco de Assis e Francisco de Roma, Editora Mar de Ideias, Rio 2013].

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Francisco de Assis e Francisco de Roma: leituras matinais.



Notas Iniciais.
O teólogo e escritor Leonardo Boff lançará hoje, na Livraria da Travessa no Leblon, (RJ) seu novo livro “Francisco de Assis e Francisco de Roma, uma nova primavera na Igreja?”, uma publicação da Editora Mar de Ideias. O livro será lançado dentro do Evento que terá como palestra principal “Os Caminhos da Fé”, e começará às 19h30.

Ser Francisco de Assis corresponde à Tradição de Jesus Cristo e à exigência evangélica. É a opção pela simplicidade e e pela necessidade de confraternização entre todos os povos, a natureza e o planeta Terra. 

Quando um papa, o primeiro vindo da América Latina, escolhe o nome de Francisco tem como intenção passar uma importante mensagem ao mundo sobre sua missão – o que, possivelmente, será uma nova primavera na Igreja. Ao fazer esta analogia entre Francisco de Assis e Francisco de Roma, Leonardo Boff aproxima essas figuras simbólicas. Não se trata de simples comparação, mas sim da constatação de uma inspiração divina. Esse livro também é uma mensagem de amor, esperança e fé. E acolhe aos anseios de todos os que queremos uma Igreja mais próxima e acolhedora.

O caminho de Francisco.
São Francisco iniciou uma Igreja que caminhava com os pobres, pela palavra do evangelho, que se revela ecológica ao chamar todos os seres de irmãos e irmãs. Esse é o modelo de Igreja que inspira Francisco de Roma: simples, evangélica, destituída de todo o aparato, e que também inclui a ética do cuidado com a vida humana e planetária. 

O novo livro do autor, ainda que considerado por alguns como membro da "esquerda católica", comunista, teólogo da libertação e anti-clerical, também é uma mensagem de amor, esperança e fé. Uma obra que vai ao encontro dos anseios de todos que queremos uma Igreja mais próxima e acolhedora. Mas também é destinado aos jovens, que têm a responsabilidade de promover, hoje, mudanças para garantir o futuro: ter gentileza para com o outro, pensar na injustiça social como um problema universal a ser combatido, ser ecológico nas pequenas e grandes atitudes, assumir um consumo responsável, viver, verdadeiramente, Jesus em sua simplicidade, e incluir Deus em seus projetos.

A comparação entre os nomes.
Por que Francisco? Porque São Francisco começou sua conversão ao ouvir o Crucifixo da capelinha de São Damião lhe dizer:”Francisco, vai e restaura a minha casa; olhe que ela está em ruínas”.

Francisco tomou ao pé da letra estas palavras e reconstruiu a igrejinha da Porciúncula que existe ainda em Assis dentro de uma imensa catedral. Depois entendeu que se tratava de algo espiritual: restaurar a “Igreja que Cristo resgatara com seu sangue”. Foi então que começou seu movimento de renovação da Igreja que era presidida pelo Papa mais poderoso da história, Inocêncio III. Começou morando com os hansenianos e de braço com um deles ia pelos caminhos pregando o evangelho em língua popular e não em latim.

É bom que se saiba que São Francisco nunca foi padre mas apenas leigo. Só no final da vida, quando os Papas proibiram que os leigos pregassem, aceitou ser diácono à condição de não receber nenhuma remuneração pelo cargo.

Por que o Cardeal Jorge Mario Bergoglio escolheu o nome de Francisco? 
Talvez porque tivesse dado conta de que a Igreja fraqueja em seu caminhar por causa da  desmoralização dos vários erros  que atingiram o que ela tem de mais precioso: a moralidade e a credibilidade.

Francisco não é um simples nome. 
É um projeto de Igreja, pobre, simples, evangélica e destituída de todo o poder. 
É uma Igreja que anda pelos caminhos, junto com os últimos; que cria as primeiras comunidades de irmãos que rezam o breviário e a bíblia debaixo de árvores junto com os passarinhos. 
É uma Igreja ecológica que chama a todos os seres com a doce palavra de “irmãos e irmãs”. 

São Francisco se mostrou obediente à Igreja dos Papas e, ao mesmo tempo, seguiu seu próprio caminho com o evangelho da pobreza na mão. Escreveu o então teólogo Joseph Ratzinger: 

”O não de Francisco àquele tipo de Igreja não poderia ser mais radical, é o que chamaríamos de protesto profético. Ele não fala, simplesmente inaugura o novo."

Um projeto evangélico.
Creio que o Papa Francisco tem em mente uma Igreja assim, fora dos palácios e dos símbolos do poder. Mostrou-o ao aparecer em público. Normalmente os Papas punham sobre os ombros algumas vestimentas de brocados de ouro que só os imperadores podiam usar. O Papa Francisco veio simplesmente vestido de branco e com a cruz de bispo. 

Notas elementares:
Três pontos são de ressaltar em sua fala e são de grande significação simbólica.

O primeiro: disse que quer “presidir na caridade”. Isso desde a Reforma e nos melhores teólogos do ecumenismo era cobrado. O Papa não deve presidir como um monarca absoluto, revestido de poder sagrado como prevê o direito canônico. Segundo Jesus, deve presidir no amor e fortalecer a fé dos irmãos e irmãs.

O segundo: em seu discurso inicial, o papa deu centralidade ao Povo de Deus, tão realçada pelo Vaticano II e posta de lado pelos dois Papas anteriores em favor da Hierarquia. O Papa Francisco, humildemente, pede que o Povo de Deus reze por ele e o abençoe. Somente depois, ele abençoará o Povo de Deus. Isto significa: ele está ai para servir e não par ser servido. Pede que o ajudem a construir um caminho juntos. E clama por fraternidade para toda a humanidade onde os seres humanos não se reconhecem como irmãos e irmãs mas reféns dos mecanismos da economia.

O terceiro: por fim, evitou toda a espetacularização da figura do Papa. Não estendeu os braços para saudar o povo. Ficou parado, imóvel, sério e sóbrio, diria, quase assustado. Apenas se via a figura branca que olhava com carinho para a multidão. Mas irradiava paz e confiança. Usou de humor falando sem uma retórica oficialista. Como um pastor fala aos seus fiéis.

Cabe por último ressaltar que é um Papa que vem do Grande Sul, onde estão os pobres da Terra e onde vivem 60% dos católicos do mundo. Com sua experiência de pastor, com uma nova visão das coisas, a partir de baixo, poderá reformar a Cúria, descentralizar a administração e conferir um rosto novo e crível à Igreja.

Salamaleiko.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Pensamentos sobre a Dor e a Loucura.




Todos nós podemos adoecer mentalmente. 
Não há ninguém na face da terra que não esteja sujeito a depressões, neuroses e até surtos psicóticos. Já vi e acompanhei pessoas empurradas pelo mundo até a fronteira do inferno que não suportaram as pressões da vida. 
Algumas foram internadas em clínicas psiquiátricas; outras se tornaram alcoólatras; muitas se viciaram em drogas tóxicas. Já me vi obrigado a enfrentar a dura realidade da depressão familiar. Uma amiga muito querida de nossa Igreja, sofrendo pela perda de seu namorado, tempos atrás acabou se suicidando, deixando amigos e familiares destroçados. 

Já presenciei o triunfo de algumas pessoas que resistiram aos embates existenciais da história. 
Notei que estes, mesmo cambaleantes, essas pessoas conseguiram retomar o controle de suas vidas. Quando me lembro deles, volto a crer no poder do companheirismo, da fé e da solidariedade que não nos deixa sozinhos. 

"As vezes imperceptível, Deus age no silêncio e cura nossas feridas de dentro para fora."

Hoje olho para trás e reconheço como tive de lutar para não ficar doido.
Gosto de lembrar que nossa humanidade é feita sombras e luzes. 
Somos ao mesmo tempo, excelentes e ordinários, pacientes e bons, mas noutros momentos somos intolerantes e maus. Carregamos um tesouro em vasos de argila..Quando eles se quebram, precisamos de uma habilidade e de uma sensibilidade diferentes para não deixarmos nosso carro atolar na estrada da vida...

"Entendi com minha pouca prática de escuta e acompanhamento de pessoas com problemas, que os neuróticos não conseguem conviver com essa realidade e passam a querer controlar suas sombras." 

Por mais que se esforcem, vez por outra, se surpreendem com erupções de um vulcão sombrio que dorme dentro deles. Eles então procuram compensar suas fragilidades fugindo para mundos irreais. Como não conseguem viver em paz com seus defeitos e sombras, tentam se mudar para dimensões fantasiosas. Aí então, surge a dependência do vício e na fantasia, que pode anestesiar dores profundas.

As neuroses se caracterizam quando comportamentos repetitivos significam tentativas de camuflar defeitos e problemas existenciais, tão próprios da nossa humanidade. 
O neurótico se esforça para evitar assumir que não é perfeito. Neurose significa não saber conviver com a realidade humana, que por sua própria natureza é precária, falível e defectível. 

Os psicóticos, por sua vez, tentam arrancar suas sombras. 
Eles não aceitam que possam existir defeitos e se recusam a encarar qualquer incoerência interior. Para não se defrontarem com a realidade, são mais radicais: amputam seus olhos e se permitem coisas que fogem aos padrões da normalidade aceitável. Assim, destituídos de toda capacidade de enxergar sua humanidade composta de belezas e feiúras, também não conseguem ver o mundo; eles enlouquecem porque se desligam completamente da vida. 

Assim, aprendi com meu pouco tempo de vida que os depressivos quando estão tristes pensam que o melhor remédio é dormir. Porque para eles, dormir significa esquecer daquele algo que poderia ter sido feito e ainda não aconteceu. Ou ainda lembrar nostalgicamente de um mundo que não se tornou realidade, uma mistura de saudade e desencanto com o presente... 

Em meus 35 anos de existência já vivi tristezas profundas. 
Minha alma já se contorceu de dores sinistras; já me vi cara a cara com o Diabo. Quase perdi meu equilíbrio, brios e vontade de viver. Não fossem alguns poucos amigos, não sei aonde chegaria meu desespero. E creio que todos nós passamos por essas crises. Absolutamente ninguém está livre do medo ou da dor que mora no escuro de nossa alma... 

Humildemente hoje, reconheço minhas fragilidades e não me considero um padrão de normalidade e de perfeição que algumas pessoas esperariam de mim. Pensando assim, sinto-me mais autêntico e mais pleno em minha luta pelo aperfeiçoamento a que todos somos convocados.

Desisti de encarnar o mito da perfeição. 
Agora, não me flagelo quando constato minhas vaidades e defeitos. Parei de me culpar quando me surpreendo com minha maldade, insegurança e narcisismo. Estou aprendendo a conviver comigo mesmo olhando no espelho de meus olhos. Não tenho medo de meus traumas, pois sei em quem coloquei minha esperança (2 Tim 1, 12).

Reconheço hoje que minha paz vem de saber que sou amado e querido por Deus, com minhas sombras e luzes. 
Nessa tarde de inverno, olho pela janela de meu quarto e reconheço que Ele está satisfeito comigo, mesmo conhecendo minha estrutura e sabendo que sou pó. 
Confio que Deus me quer bem e acima de tudo acredita e tem depositado sua esperança no pouco que lhe posso oferecer. 

Salamaleiko.
Vida que segue...

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Diálogos noturnos em Jerusalém.




Comecei essa semana a leitura do Livro "Diálogos noturnos em Jerusalém", do escritor e teólogo Carlo Maria Martini. No centro do diálogo, o sonho comum em favor de uma Igreja aberta e transmissora da esperança para os povos, e principalmente para a juventude.  

O local onde o livro foi escrito é significativo: a cidade de Jerusalém. Essa “cidade da paz” reflete o toque doloroso de um tempo de intransparências e de conflitos que urgem nossa atenção.  

Carlo Maria Martini nasceu em Turim, em 1927. Ainda jovem, tornou-se jesuíta. Foi ordenado presbítero em 1952. Durante muitos anos viveu em Roma, trabalhando no Pontifício Instituto Bíblico, de que chegou a ser diretor. Foi bispo de Milão entre 1980 e 2002. Terminado o pastoreio na maior diocese do mundo, passou a residir na casa dos jesuítas em Jerusalém, local que tive a grata alegria de visitar, quando de minha viagem à Israel, em junho de 2010.

O Cardeal Martini é considerado uma das figuras mais marcantes da Igreja contemporânea por causa do testemunho de vida, da firmeza na fé, da profundidade intelectual e espiritual no trato com a Sagrada Escritura, da coragem em suas tomadas de posição em relação ao futuro da Igreja.


Abaixo algumas de suas Idéias:


DESAFIOS PARA A IGREJA

Para ele, as mudanças que ocorrem na Europa (e no mundo) não podem ser causa de lamentos, e sim, de uma maravilhosa chance para toda a Igreja. As crises que acompanhamos no mundo e as crises no corpo eclesiástico da Igreja representam um momento oportuno de sair a campo, arriscar tudo e demonstrar coragem e audácia de arriscar. 

"Quando a Igreja se acha na mais perfeita tranqüilidade, bem entrosada com os poderes e os poderosos deste mundo, é sinal de preocupação. É bem provável que o evangelho esteja sendo traído em algumas de suas grandes exigências."

DEUS E A EXPERIÊNCIA DE DEUS

Deus não é uma realidade evidente nem a pergunta filosófica por ele constitui o primeiro passo. No princípio se encontra a experiência iniciadaquase sempre em casa e que se desdobra no decorrer da vida e da história da pessoa: -“Meus pais me deram a fé em Deus como um presente. Minha mãe me ensinou a rezar”.

O mais importante na experiência de Deus é a “arte da atenção”. 
Jesus era atento ao contexto de todas as pessoas e a partir da observação dos "contextos", ele criava parábolas que indicavam sua compreensão do que era o reino de Deus.

"No mundo de hoje, em meio a tantos descaminhos e desacertos, o reinado de Deus dá sinais de que está se realizando, em acontecimentos de maior evidência e na rotina diária comum a todos."

A “arte da atenção” é o caminho para escapar ao cinismo e ao desespero a fim de prosseguirmos na esperança, mesmo no “tempo sem sol” em que nos encontramos. O cardeal Martini se põe na esteira de Tomás de Aquino, que não temia dúvidas nem questionamentos sobre a fé e sobre o próprio Deus, porque confiava na força da Verdade.

Experiência de Deus não significa intervencionismo miraculoso, e sim confiança e atenção à discreta eficácia do amor de Deus em ação na trama da existência humana. 

"Realidades humanas e mistérios divinos andam sempre de mãos dadas".



O SILÊNCIO DE DEUS 


Esta é a mais dura realidade da fé que um cristão pode experimentar. Podemos pensar nas grandes tragédias universais, como o extermínio dos 6 milhões de judeus pelos nazistas, as guerras mundiais e as perseguições político- econômicas registradas nos países mais pobres. Ou podemos lembrar ainda das obscuras tragédias do cotidiano: as mulheres que nada podem fazer pelos filhos envolvidos com o tráfico de drogas, as crianças sozinhas em casa à noite, porque a mãe precisa ganhar a sobrevivência na prostituição, a corrupção política que assola os povos, os animais maltratados... 

Por que Deus se cala diante de tanta dor? 
Para muitos, esse silêncio indica o vazio e o absurdo do real. 
Só resta a tentativa de criar um sentido ou mergulhar no não-sentido. Para o crente, a experiência do silêncio de Deus se assemelha ao protesto de Jó 3 e ao grito do Cristo na cruz (Mc 15,34). Não são expressões de desespero, mas de confiança. Uma confiança que persiste, não se deixa vencer e desemboca no compromisso com os que sofrem.

“Por que Deus não fez com que meu marido adiantasse ou atrasasse a viagem em cinco minutos? Com isto, ele teria evitado o acidente fatal que o matou”, me perguntava uma amiga. Não sei responder a sua pergunta, disse-lhe, mas apesar do que aconteceu confio em Deus e estou aqui a seu lado, compartilhando a sua dor”. 

Apesar de tanto absurdo, o sentido da vida perpassa a criação, e a história um dia dirá a última palavra. Cabe aos crentes a missão de fazer com que essa última palavra comece a ser balbuciada já a partir de agora.

O CRISTÃO DIANTE DO MAL E DO SOFRIMENTO

“Se olho o mal no mundo, as vezes perco o fôlego. Entendo as pessoas que chegam à conclusão de que não há Deus”. 

A partir do silêncio de Deus podemos nos perguntar:
Por que o mal? Donde ele provém? Nenhuma pessoa pode responder a pergunta pela origem do mal. As indagações da filosofia não conseguem avançar para explicar o sentido do trágico e do absurdo. 

A Sagrada Escritura também não oferece uma resposta definitiva para a explicação do sentido do sofrimento, mas justapõe duas afirmações: a responsabilidade do homem por seu fechamento ao apelo de Deus e a realização final do plano de Deus, não obstante a permanente obstinação humana. 

A obstinação humana parece estar incluída num desígnio divino que a ultrapassa em compreensão. A fé cristã não explica nem justifica teoricamente o mal. Sua resposta é a confissão de fé em Jesus Cristo morto e ressuscitado. 

A verdade é que Deus não eliminou o mal do mundo mediante a promulgação de um decreto divino ou a realização de uma grandiosa teofania. 
Ao encarnar-se o Filho de Deus se fez um de nós, chegando em sua humanização até às últimas conseqüências na morte de cruz, sepultura e descida à mansão dos mortos. De dentro desse fracasso ele surge vitorioso. 

Essa é a proposta da fé cristã!
O enfrentamento do mal, a paciência em meio às derrotas de maior ou menor gravidade que ele nos aflige, a perseverança na esperança da vitória completa e definitiva do bem. Essa esperança já conhece um cumprimento antecipado na páscoa de Jesus. Esta é a garantia de que não estamos lutando em vão, mesmo quando episodicamente somos vencidos por forças potentes.  

"A fé é menos uma paz do que uma trágica esperança” (Camus)


A desgraça desafia-nos a reagir. 
As coisas não são assim porque são, mas estão assim para que eu interaja na vida e me pergunte sinceramente: O que posso fazer para que as coisas comecem a mudar?

A reflexão continua no próximo artigo...