sexta-feira, 8 de março de 2013

Deus e Liberdade - Uma flor sem defesa.




Uma re-leitura para nossos tempos.
Boa parte do ateísmo contemporâneo baseia-se na objeção enunciada com muita força no passado por J. P. Sartre e retomada pelos seus discípulos: “Se Deus existe, eu não sou nada”. 

Se existe um Deus onipotente, o que ainda sobra para mim?
Essa presença ao meu lado do poder absoluto torna irrisórias todas as minhas ações. 
Diante do infinito, todo o finito torna-se irrelevante. Há muitas maneiras de enunciar o argumento. 
A objeção foi formulada desde a Idade Média, mas não conseguiu convencer. 
A resposta diz que Deus e o homem não se situam no mesmo plano, como duas liberdades em competição. Essa resposta não convenceu porque durante séculos os teólogos debateram a questão da predestinação, isto é, da compatibilidade entre a liberdade de Deus todo-poderoso e a liberdade humana. 

O drama dos conflitos existenciais: liberdade e vontade divina.
Assim fazendo, situaram no mesmo plano as duas liberdades. Se os teólogos – tomistas, dominicanos e jesuítas – tomaram essa posição durantes séculos, não é estranho que filósofos façam a mesma coisa. 
De qualquer maneira, a pessoa sente tantas vezes o conflito entre a sua vontade, o seu desejo e o que diz que é a vontade de Deus, que a reação parece inevitável. 
Os disíipulos de Sartre sustentam que, para ser livre, é necessário negar a existência de Deus. Infelizmente para eles, Deus não depende das negações ou das afirmações de Sartre. 
A verdadeira resposta está na fraqueza de Deus. 

O tema do Mistério divino.
O nosso Deus é um Deus “escondido” – tema constante da tradição espiritual cristã. 
É um Deus que se manifesta no meio da nuvem, que se revela no "acaso", que se faz perceptível, mas não impõe a sua presença. 
A liberdade consiste justamente nisto: diante do outro, a pessoa pára, reconhece e aceita que exista. Abre espaço, acolhe. Longe de dominar, escuta e permite que o outro fale primeiro. Assim Deus suspende o "poder" de Deus.
 Nenhuma evidência, nenhuma ameaça, nenhum constrangimento. Ele não força e nem obriga. 

A grandiosidade da Liberdade Divina: seu maior atributo!
Deus permite e deixa fazer. 
Deus respeita o outro na sua alteridade e permite, até mesmo, que o outro se destrua sem intervir. A liberdade de Deus consiste em permitir e ajudar a liberdade do menor dos seres humanos. A liberdade de Deus reprime o poder. Torna-se fraca para que possa manifestar-se a força humana. 

Fraqueza e poder numa mesma direção!
O hino de Filipenses 2.6-11, núcleo da cristologia paulina, expressa essa fraqueza de Deus. Pois o aniquilamento de Jesus incluía o aniquilamento do Pai: 

"Esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de escravo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se a foi desobediente até a morte, e morte de cruz!” (Fl 2.7-8). 

Deus escondeu o seu poder até a ponto de as autoridades de Israel não o reconhecerem. 
É desta maneira que Deus se dirige às pessoas: sem intimidação, sem poder, na dependência de seres humanos, entregando a própria vida nas mãos de criminosos. Quem dirá que dessa maneira Deus faz violência às pessoas? 

Liberdade e Alteridade.
Como comentou Emanoel Levinas, a "outra pessoa" é o desafio para minha a liberdade, a provocação que me desperta. Diante do outro há duas atitudes: examiná-lo para ver em que ele me poderia ser útil ou ver a possibilidade de ameaça que ele representa para mim; ou então, perguntar-me o que eu poderia fazer para ajudá-lo. 

A liberdade de Deus autolimita-se.
Diante da sua criatura, Deus limita sua presença. 
Deus preferiu antes deixar que crucificassem o seu Filho a intervir para impedir tal justiça. Trata-se de fraqueza voluntária. 

A liberdade Cristã e a pregação popular.
É verdade que durante muitos séculos, sobretudo na evangelização popular, os pregadores apresentaram uma concepção bem diferente de Deus. Usaram temas e comportamentos da religião popular tradicional para legitimar a necessidade de conversão: medo diante do trovão, medo da seca e de cataclismos naturais, medo das doenças entendidos como castigos divinos , e assim por diante. 

Era fácil despertar o temor a partir de idéias puramente pagãs ou supersticiosas. 
Essa pregação de terrorismo religioso podia dar resultados imediatos, levando milhares de pessoas aos sacramentos. A longo prazo, porém, destruíram as bases da credibilidade da Igreja. 

Hoje a maioria das pessoas deixou de ter medo de trovão, de pestes ou de cataclismos naturais. 
Tais argumentos não invocam naturalmente um motivo para se temer a Deus, como foi no passado. Naquele tempo achou-se válido o "método do temor", todavia hoje as necessidades são outras e infelizmente ainda se colhe os frutos dessa pastoral. 

Crise e re-leitura teológica.
Na Idade Média Pensou-se que os povos precisassem temer um Deus forte – e assim desprezariam um Deus fraco. Tais erros se pagam cedo ou tarde. Estamos pagando hoje esse preço!

Deus torna-se fraco porque ama. 
Quem mais ama é sempre mais fraco. Não será essa a grande característica das mulheres? Quase sempre amam mais, e, por isso, sofrem mais. 
Porém, nessa fraqueza consentida não estará a maior liberdade? 
Nessa fraqueza a pessoa vence todo o egoísmo, todo o desejo de prevalecer, toda a preguiça de aceitar maiores desafios. 
Exige mais de si própria, vai mais longe, além das suas forças. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (João 15.13). 

O amor e a Liberdade.
Aí está também a expressão suprema da liberdade. 
A fraqueza de Deus vai até a ponto de se tornar suplicante. 
versículo predileto do saudoso teólogo latino-americano Juan Luís Segundo diz:

“Eis que estou batendo na porta: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo (Apocalipse 3.20).

Deus bate na porta e aguarda. 
Se não é atendido, afasta-se e continua o caminho. 
Esta é a expressão mais próxima de jesus revelando o modo de agir do Pai na caminhada para Emaús (Lucas 24).
Somente entra se é convidado. 
Depende do convite da pessoa. Deus torna-se pedinte, suplicante. 


Texto extraído do Livro "Vocação para Liberdade" - Editora Paulus.
José Comblin.

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