segunda-feira, 1 de março de 2010

Repensando minha Fé - Parte II



Minha vida se organizou também com tragédias.
O primeiro grande drama que vivi no início de ministério foi o afogamento de uma menina no rio da cidade onde morava. (Acre)
Fui testemunha de uma cena horrível.
A criança de debatia lutando contra o fundo das águas.
Os adultos pulavam como loucos para chegar onde a menina estava.
Vímos a cena de longe e nada pudemos fazer. No dia seguinte, enterrávamos seu corpo.

Juliana era seu nome.
Tinha apenas 2 anos e acidentalmente caiu de uma palafita no maior rio que cortava nosso bairro.

Em seu enterro, vi a cena mais linda que meus olhos já presenciaram:
Dentro do seu caixão, junto a seu corpo, estava uma bonequinha da barbie, doces de crianças, celular de brinquedo, uma escadinha feita em papelão sobre as pernas, sandálias de anjo e um par de asas sobre seus braços indicavam que ela precisaria de todos aqueles  "aparatos" para viver em sua casa na morada eterna.


Aquela cena não me sai da cabeça.
As crianças em uníssono choravam um pranto copioso.
Descemos de barco até a outra parte do lugarejo pelo rio em procissão.
Todos acenavam dando adeus. Os adultos assustados com tamanha tristeza, consolavam os pais da criança.
Eu ali, parado, atônito, sem dizer nada.
Consternado, só consegui chorar. Acho que chorava por mim mesmo. 
Foi a expresão de solidariedade que me levou aquele choro amargo por perceber que a vida também é feita de tragédias.

Aceito que a Fé tem que voltar a ser compreendida como Coragem Existencial.
No reconhecimento de que a vida é imprevisível, a fé verdadeira aposta nos valores do Evangelho.
Suas verdades e princípios são suficientes para nos capacitar a enfrentar a vida com tudo o que pode acontecer de bom ou ruim.


Fé é um convite a acreditarmos nos propósitos eternos de Deus.
Por isso, Fé é resultado de confiança, nunca de uma relação de barganha.
Como afirmou C.S. Lewis em seu livro "Cristianismo Puro e Simples":

"A vida da grande maioria das pessoas se desenrolará sem milagres, sem intervenções sobrenaturais e sem a presença transcendente de Deus."

Elas terão de trabalhar de sol a sol para comer.
Viverão a mercê de pragas e doenças terríveis, precisarão lutar contra as inclemências da vida. Sujeitos inclusive aos acidentes naturais como ciclones, tufões e terremotos.
Basta persarmos nas vítimas das tragédias naturais como os Haitianos, e recentemente os Chilenos diante dos terremotos desta semana.

"Por isso, cada um deve viver a sua existência do dia a dia com a certeza da existência de Deus, sabendo que Ele não alterará indiscriminadamente a Ordem do universo que Ele mesmo estabeleceu.

Se fé é um compromisso assumido com a verdade, é certa  a frase do escritor André Torres Queiruga:

"Cada um deve fazer o que é reto não porque existe um Deus que fiscaliza do céu, mas porque a virtude conspira a favor da vida e do bom convívio entre os seres humanos."

Hoje conversava com uma pessoa.
O asunto girava em torno de opções mal feitas no passado.
(Perguntei sobre quem um dia, não as fez?)
Dizia-me do fracasso de seu casamento.
Chorava porque estava sentindo sua vida vazia. Seus dias eram sem graça.
Achava que Deus a estava punindo porque seu coração respirava infidelidade.
Lamento terrível. Sua dor tocou meu coração.
Lembrei-lhe da famosa frase do escritor Russo Dostoiévski:

"Creio que ninguém deve orientar seus valores porque está sendo, por assim dizer, monitorado pelo olho divino, mas porque existe virtude intrínseca nos comportamentos que exigem obrigação de todos."


Aceito que Cada um deve encarar os silêncios divinos não como descaso, mas como espaço para Liberdade.
Viver, portanto, é uma aventura sem garantias porque não é possível uma existência bonita sem abrirmos mão de nossa obsessiva necessidade de segurança.

É pobreza humana buscar construir barreiras que represem as águas das tempestades.
Todos somos vulneráveis aos ataques da vida.
Erguer fossos para que os possíveis inimigos não invadam nossos castelos é tolice.
Esterelizar todos os ambientes para que doenças não se alastrem é loucura.
Como é fútil e ilógico acreditar num futuro sem ameaças.
Concordo com o poeta popular que rabiscou a célebre frase num muro aqui da cidade:

"Boa Vontade sem ação é fantasia".

Olhando para a minha história e para a  de tantas pessoas, hoje reconheço:

"Nos momentos mais cruciais da vida, na hora em que mais se precisava de um "enorme milagre", ele simplesmente não aconteceu."

Desejo advertir as pessoas que organizam sua vida esperando possíveis milagres e intervenções divinas que elas terão enormes chances de se frustrar, porque a Fé tem que sair do estágio infantil entendida como força que move o braço de Deus para ser entendida como um Ato de Coragem.

"Fé é uma aposta de que a sabedoria divina, com seus princípios e verdades, basta para que se enfrente os percalços da vida."

Convido aos que já sofreram para que olhem a vida como uma maratona.
Para vencê-la, socorros sobrenaturais não são essenciais, mas preparo de alma de quem corre.

Repito com o Andrés Torres Queiruga:

Jesus de nazaré encarou a história sem pedir a ajuda de anjos.
Ele não evitou a cruz e por isso triunfou.
A mensagem do Evangelho não promete imunidade ou alívio perante as tribulações, mas bom ânimo.

"O frágil carpinteiro venceu na hora mais desolada.
Em seu último clamor na cruz encontramos uma certeza: é possível triunfar mesmo sofrendo e sem sermos poupados da morte."





Essa é a questão.
Salamaleiko.

Frei Eduardo F. Melo
Santa Teresa
1 de março de 2010.

Um comentário:

  1. Frei Eduardo, vc anda lendo meus pensamentos?? Pq todas as vezes q me surgem dúvidas, medos, fraqueza na fé, desespero... vc tem exatamente as respostas q eu preciso, as verdades q preciso aprender e entender.
    Te adorooo, vc é d++++!!
    A Paz!!
    Grande abraço!!

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