quarta-feira, 26 de agosto de 2009

IGREJA, PAGANISMO E CARNAVAL - onde estão as contradições?

Como sacerdote, já fui questionado sobre a participação dos cristãos no Carnaval. Aproveitando a medonha sagacidade do meu amigo Rafael Peçanha em seu artigo citado no seu BLOG (http://www.rafaelpecanha.blogspot.com/) transcrevo aqui as linhas desse mestre na arte da escrita.

IGREJA, PAGANISMO E CARNAVAL

Sempre que se aproxima o Carnaval paira na cabeça de algumas pessoas um motivo de polêmica para o Cristão Católico: a Igreja permite ou não a participação no Carnaval? Para tentar responder à pergunta, recorramos ao Compêndio da Doutrina Social da Igreja e ao Catecismo da Igreja Católica.

A primeira argumentação que ouvimos é a de que o Carnaval é uma festa pagã, por isso, os Cristãos Católicos não devem dela participar. Este argumento é bastante falho, e por si só não responde, nem de longe, à questão.

Ao falar de paganismo, falamos das religiões do Império Romano, que antecederam historicamente o Cristianismo. O termo paganismo era usado pelos judeus dos tempos de Cristo para definir todas as outras culturas e religiões que não fossem a deles.

O termo “pagão”, portanto, em si mesmo já é dotado de preconceito e não é compatível com a doutrina cristã, posto que o próprio Cristo e o Cristianismo primitivo combateram a exclusão dos chamados “pagãos” da sociedade: a carta aos Efésios fala que os pagãos foram admitidos à mesma herança do Reino (Ef 3,6).

O profeta Isaías, no Antigo Testamento, fala que o Messias viria não apenas para o povo escolhido (Judeus) mas sim que seria luz para todas as nações (Is 42,6). Além disso, a Bíblia afirma (At 10, 34), e a Doutrina Social confirma (§ 144)*, que Deus não faz acepção de pessoas.

O paganismo, por outro lado, faz parte da nossa história. Se fôssemos, de fato, rejeitar tudo que tem origem pagã, teríamos problemas, por exemplo, com a data do Natal. Atenção: não teríamos problemas com a celebração, mas com a data. O dia 25 de dezembro era data de culto pagão (romano) ao deus sol Natalis Solis Invicti, ou Nascimento do Sol Invencível.

Não poderíamos também, por exemplo, ir a saunas, já que elas, até o período entre os anos 117 e 138, eram locais de encontros sexuais e orgias, como comprovam as recentes pesquisas sobre as chamadas “termas do prazer”, ou “termas suburbanas”, de Pompéia, descobertas a partir de escavações oriundas da erupção do vulcão Vesúvio, no ano de 79.
Além disso, há a questão cultural do carnaval. Escolas estudam enredos e histórias populares; artesãos preparam-se ao longo do ano para expor suas obras; há envolvimento de algumas comunidades na produção do evento.

A concupiscência da carne de uns, conforme termo usado pelo Catecismo da Igreja Católica nos parágrafos 2514 e 2520, não pode condenar a reta intenção artística e cultural de muitos. A Doutrina Social lembra que “a cultura deve constituir um campo privilegiado de presença e empenho pela Igreja (...) a separação entre a Fé cristã e a vida cotidiana é julgada pelo Concílio Vaticano II como um dos erros mais graves do nosso tempo“ (§554).

A questão, portanto, não é a festa, mas o que se faz nela - não é o que esta fora que traz o pecado, mas o que está dentro, como disse Jesus (Mt 15,11).

Isso não quer dizer, por outro lado, que todos os lugares e eventos nos convêm: todos são permitidos, como diz Paulo, mas nem todos nos convêm (I Cor 6,12). Para a igreja, “o fiel leigo deve agir segundo as exigência ditadas pela prudência: é esta a virtude que dispõe a discernir em cada circunstância o verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para cumpri-lo. Graças a ela, se aplicam corretamente os princípios morais aos casos particulares.”(547)

O problema, portanto, é o pecado moral e social que pode ocorrer ou não no carnaval: o dinheiro que se desvia, as orgias, a exposição do corpo, o desperdício de dinheiro público, a embriaguez, etc. Esses pecados podem ser cometidos dentro ou fora do carnaval. Não é o carnaval que nos traz o pecado, mas nós, dentro ou fora do carnaval, que o cometemos.
Claro que o ambiente pode propiciar nossa fraca natureza a cometê-los: a liberdade não deve ser apenas a capacidade de escolher, mas também de “recusar tudo que é moralmente negativo, seja qual for a forma em que se apresente (§200). Deus quis deixar ao homem o poder de decidir (Eclo 15, 14) “por convicção pessoal, e não por um impulso interno cego ou debaixo de mera coação externa” (§135).

Nossa Doutrina, portanto, não proíbe nem condena o Carnaval, mas condena, sem dúvida, atos pecaminosos, tanto moralmente como socialmente, que possam ocorrer dentro desta festa, bem como em outras festas. Um carnaval com corrupção do dinheiro e concupiscência da carne, esse sim, deve ser condenado.

* Compêndio da Doutrina Social da Igreja – Pontifício Conselho de Justiça e Paz; Edições Paulinas, São Paulo, 2005

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