Tragédia no Haiti - mistério e indignação.

Terça-feira, 12 de janeiro de 2010.
Acordamos nesta manhã impactados pelas cenas dos destroços do último terremoto acontecido no Haiti.

Com olhos em lágrimas, com o coração estarrecido diante de tamanha desgraça, vimos crianças jogadas pelas ruas empoeiradas daquele cenário fatídico e miserável do mais pobre país das Américas.

Naquele mesmo momento, em que aqui no Brasil celebrávamos o intenso calor do nosso verão, no Haiti, os primeiros raios da madrugada da terça-feira, dia 12, iluminavam o rosto inchado de crianças empoeiradas debaixo de escombros de concreto.

A semana começava de forma trágica para milhões de haitianos.

Nas ruas ressoavam gritos de mulheres, crianças, diplomatas, militares, religiosos, feirantes, mendigos e maltrapilhos, que mesmo acostumados à miséria, nunca aprenderam a aceitar a morte. 

Diante da tragicidade do acontecido, nos pergutamos:

Porque Esse povo tão pobre sofre tanto?

Porque certas pessoas carregam a "sina" de quase sempre "se darem" mal na vida?

Na perspectiva da religião, seria possivel indagar:

Como Deus conseguia se manter desatento diante do clamor dos cidadãos no Haiti?

Fico pensando....

Quantos cultos estavam sendo realizados naquele momento?

A quem Deus ouvia?

Será que o Senhor considerou ridículo o sermão do pastor que naquele momento prometia, em nome da Fé, um ano novo de prosperidade e de bençãos?

Perguntas que não querem calar...
Será que o Todo Poderoso seria obrigado a cumprir os desejos de um auditório egocêntrico, enquanto milhares morriam do outro lado do planeta?

Será que Deus pode ser tão perfeito que consiga separar tão perfeitamente momentos simultâneos?

Não consigo dormir direito faz dois dias.

Permaneço em estado de choque pelo que vi.

Não esqueço aquela cena das pessoas num ponto de ônibus, agarradas umas às outras, gritando desesperadas por um socorro que não veio.

"Chorei quando a televisão mostrou o desespero de um pai desmaiado por haver presenciado o resgate do corpo de seu filho de um monturo de lixo."

Chorei de novo quando vi aquela menina de saias quadriculadas esperneando e andando de um lado para o outro vendo sua amiga caída na beira da calçada recebendo os primeiros socorros...

Não me considero um exemplo de sensibilidade...

E nem minha empatia pela sorte dos desvalidos serve de modelo para a humanidade.

Mas afirmo: Se eu que sou mau, não consigo continuar impassível diante de cenas tão chocantes, Deus conseguiria?

Não. Definitivamente Deus não pode ficar impassível diante de tanto sofrimento.

Sei o que os ateus de plantão já levantaram suas bandeiras na Europa, jogando na cara da divindade a culpa pela tragédia, tomando a lógica de pensamento do Filósofo Epicuro:

“Se Deus é onipotente e bom, como pôde permitir tamanha tragédia?

Se Ele é onipotente e não fez nada, podemos afirmar que não é bom.

Se é bom e não tomou nenhuma iniciativa, temos que deduzir que não é onipotente”.

Alguns responderão que na sua providência eterna, Ele sabe o que faz e que seus “atos divinos” não podem ser medidos por nós, meros vasos de desonra.

Alguns ainda afirmam que Deus dá vida e mata quem quiser.

Confesso que já tentei, mas cheguei à conclusão...

Não há nenhuma força persuasiva no universo que me convença desses argumentos.

"Não aceito que Deus, para alcançar seu propósito, produza um sofrimento brutal em tanta gente miserável, que não pediu para nascer num país paupérrimo, só para levar o resto do mundo à conversão."

Não. Este não é o Deus da Bíblia!

Outros argumentam que Deus não pode ser responsabilizado por um holocausto...

Pelo simples fato de que não foi Ele quem colocou as pessoas pobres naquela situação de extrema miséria. Esses afirmam que embora Deus já soubesse todos os desdobramentos do terremoto, não fez nada, porque queria manifestar sua glória a um mundo rebelde.

Pergunto-me angustiado:

Será que a glória de Deus custa tão caro?

Será que para ensinar, Deus precise de ver tanta gente morrendo de forma tão trágica?

Meu coração continua inquieto.

Admito que não há respostas fáceis.

Eu não saberia como consolar os parentes das mais de cento e vinte mil pessoas mortas – um terço eram crianças.
Porém, estou certo que precisamos rever os alicerces em que montamos nosso edifício teológico e de que pecisamos repensar os valores de nossa vida.

Hoje sei que Deus não nos criou com o intuito de gerenciar todos os nossos atos.

Ele não queria que formássemos sistemas religiosos em que O responsabilizássemos por triunfos e tragédias humanas.
Muito menos que usássemos do geo-sistema planetário para egoisticamente dominarmos nações inteiras em nome do capitalismo.

Só uma réstia da revelação brilha em minha alma:

"O Deus da Bíblia soberanamente criou o universo, mas ao formar mulheres e homens, abriu mão de sua Soberania nos concendendo LIBERDADE a fim de estabelecer relacionamentos verdadeiros. E tudo o que advém daquilo que produzimos passa ser responsabilidade nossa, inclusive o acaso".

Ele se despojou de sua onipotência para deixar-nos livres em nossas escolhas.

E assim descobriu-nos o caminho da felicidade que começa com atitudes responsáveis de nossa parte perante a vida, a natureza e o mundo.

Assim, sinto que a morte de milhares de pessoas, machucou infinitamente mais o coração de Deus do que o meu...

Não, Ele não pôde evitar a catástrofe no Haiti.

"Porque sofrimento é proporcional ao amor."

O pouco que conheço sobre Deus e sobre seu caráter me indica que há muitas lágrimas no céu.

Reconheço também que Deus pode se fazer presente no meio da tragédia.

Ele podia ter evitado (através de nós) muitas mortes, se déssemos ouvidos aos seus princípios e verdades e a humanidade usasse o dinheiro gasto em armas e bombas para viver num mundo mais justo.
Bastava que um sistema de alarme, construído pelos homens, tivesse soado e muitas vidas teriam sido poupadas.

Agora, o rosto de Deus se evidenciará nos pés e nas mãos de cada voluntário que acudir aos que choram.

Nas mãos dos militares que empenharam seus esforços pela missão de paz no Haiti.

Nas mãos dos médicos sem fronteiras que doarão seu tempo e sua liberdade para a causa dos mais necessitados de dignidade e saúde.

Nas mãos dos missionários e missionárias que não se cansarão de levar uma palavra de conforto aos que perderam tudo na vida.
No rosto e na coragem dos agentes humanitários que não hesitarão entregar suas vidas pela causa dos mais sofridos.

É com esse tipo de gente que precisamos aprender quando falarmos de humanidade.
Essa é a questão.

Deus será percebido, creio.

Não podemos atribuir a Deus tal tragicidade.

Continuo perplexo diante de tudo o que nos sobreveio e sem repostas, mas espero que minhas intuições estejam me conduzindo ao rumo certo.

Aos leitores dete blog recomendo a leitura do Livro do escritor Harold Kushner-
"Quando coisas ruins acontecem a Pessoas boas" .
Ed. Ática- 1996.

Salamaleiko.
Frei Eduardo F. Melo
Minas Gerais
14 de janeiro de 2010.