Acompanhamos entusiasmados cada aparição do papa Francisco na mídia.
Toda vez que a figura do Papa é citada bate dentro de nós uma sensação de que algo novo tematicamente está para emergir. Fico me perguntando: o que representa para tanta gente a pessoa de Francisco? Por quê temos esse anseio de abrir o coração e o ouvido para auscutar os novos insights que surgem a cada dia do coração do Romano pontífice?
Sem perceber, intuimos que de alguma forma, o novo Papa representa um ponto sólido na modernidade líquida. Ele quer ser, na sequencia de seus antecessores, uma referência religiosa e moral num mundo sem referências. Homem de uma personalidade íntegra e coerente em meio à fragmentação do pensamento contemporâneo.
Talvez possamos elencar aqui, sem a devida comparação, três fatores que podem ilustrar essa hipótese, três aspectos que diferenciam o Papa Francisco de seus antecessores.
Antes de mais nada, com o papa Francisco percebemos o primado da caridade sobre a teologia e o dogma.
Claramente o ministério petrino do Papa Francisco deslocou o centro das atenções. Em lugar da rigidez doutrinal e das articulações bíblico-teológicas, o braço estendido a quem tem a vida mais ameaçada, aos aflitos, aos pequenos, aos últimos aos migrantes e refugiados.
"Suas visitas, palavras e gestos acentuam essa força solidária em favor dos pobres e necessitados. A transparência luminosa de um "bom dia”, "boa tarde”, "bom almoço” substituem a face dura e severa de uma teologia eclesiástica não raro incompreensível à maioria das pessoas mais simples".
A proximidade espiritual com São Francisco!
Como não lembrar a memória e as marcas do "pobre de Assis”, de quem o Papa escolheu o nome! Por outro lado, já o apóstolo Paulo concluía o seu poema na Primeira Carta aos Coríntios afirmado que "agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade. A maior delas, porém, é a caridade” (1Cor 13,1-13). O que não significa que a teologia e dogma devam ser descartados, longe disso, mas evidencia-se uma inflexão que procura acentuar a figura do Bom Pastor.
"Com o papa Francisco, o lado pastoral prevalece sobre o arcabouço teológico. Não é novidade que um gesto de atenção e solidariedade vale mais que mil palavras..."
Com o papa Francisco, está em voga o primado da misericórdia sobre o julgamento.
Trata-se, em verdade, da continuidade do tema anterior. A exemplo de Jesus, o Papa Francisco recusa-se a apontar o dedo em riste sobre as feridas do pecado e do afastamento das pessoas em relação a Deus e à Igreja. Jamais fecha a porta a um coração arrependido nem volta as costas a quem o procura com sinceridade. Ao contrário, através do perdão, oferece a oportunidade de levantar a cabeça e começar de novo.
"Se as pessoas marginalizadas pela sociedade procuram a Deus no íntimo de sua consciência, "quem sou eu para julgá-las”, pergunta-se com humildade o Papa."
Com um semblante sereno, sorriso largo e braços abertos representa um convite àqueles que se sentem excluídos de uma Igreja que, ao longo dos séculos, bateu duramente sobre a tecla do pecado.
Também aqui não se exclui o julgamento e a condenação do mal e do pecado.
O que se procura é salvar o pecador que se abre à conversão. "Vai e não pesques mais” (Jo 8, 12), diz Jesus à mulher surpreendida em adultério. Não justifica o pecado, mas amplia os horizontes de quem aceita a Boa Nova do Evangelho. Novamente o Bom Pastor em busca da "ovelha perdida”. Não sem razão o Papa Francisco compara a Igreja a um hospital de campanha, cuja preocupação primordial é "curar as feridas”.
Por fim, com o papa Francisco acontece o primado do poder-serviço sobre o poder-autoridade.
Esta opção sobrepõe a presença e a comunicação direta à distância e a uma teologia que, pretensamente, procurava defender a dignidade do sucessor de Pedro. Dignidade que, muitas vezes, acabava por acentuar a pompa do vestuário, a solenidade ostensiva e exagerada da liturgia, o sistema de segurança e, no limite, um autoritarismo mesmo que indesejado.
No caso do atual Pontífice, impressionam os encontros com indivíduos e grupos, as entrevistas com os jornalistas e, mais ainda, os telefonemas a pessoas que padecem de algum problema grave.
"Sem intermediários e sem o peso da burocracia, o Santo Padre dirige-se pessoal e diretamente a gente anônima, que pede socorro e espera uma palavra de conforto. Importa aqui a necessidade e a urgência, não o título ou a posição social."
O Papa Francisco inova como "chefe de estado” e como "pastor supremo” da Igreja Católica.
O papa rompe todas as barreiras que o afastam dos mais necessitados. Faz-se presente onde a dor, a fome e a solidão (três irmãs gêmeas) são mais prementes. Tudo isso, evidentemente, não exclui a validade das cartas pastorais, encíclicas e documentos pontifícios. Mas o contato simples e direto, com a atenção voltada à pessoa, deixa marcas que vento algum poderá apagar.
Os três fatores apontados, complementares, entrelaçados e indissociáveis, nos levam a concluir com as palavras do Evangelho: "As pessoas ficavam admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus falava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei” (Mc 1,22). Não que o Papa Francisco, até o momento, tenha dito algo de novo, inédito e extraordinário.
Novo, inédito e extraordinário é o seu modo simples, direto e genuíno de dirigir-se a todos e a cada um. Espero ter tempo de ver as possíveis mudanças que o vento do Espírito pode estar trazendo à nossa geração.
Salamaleiko.
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