quarta-feira, 14 de julho de 2010

Proposta de um Novo Credo – Um texto do Frei Betto.


Vez por outra somos surpreendidos pela alegria da genialidade alheia.
Frei Betto é um escritor que sempre me surpreende.
Frade dominicano de grande militância política no "período da repressão", seus textos revelam aquela sabedoria que a todos encanta.
Sua escrita destila o nardo mais puro da poesia, sua espiritualidade me arranha a alma e sua humanidade me empurra para a vida.

Na revista “Caros Amigos” de Abril, Frei Betto escreveu uma "Proposta de um Novo Credo" e eu, menino das letras ainda, admirei sua "arte".
O texto foi dividido por mim em parágrafos. Escolhi assim porque em cada grifo feito, partilho do autor a semelhança que vejo entre as suas definiçoes e as minhas.
Aqui está um pouco do que também creio.

Segue o Texto.
Boa Leitura a Todos.
Frei Eduardo F. Melo

Creio no Deus desaprisionado de todas as religiões existentes e por existir.
Deus que precede a todos os batismos, preexiste aos sacramentos e desborda de todas as doutrinas religiosas.
Livre de teólogos, derrama-se graciosamente no coração de todos, crentes e ateus, bons e maus, dos que se julgam salvos e dos que se crêem filhos da perdição, e dos que são indiferentes aos abismos misteriosos do pós-morte.

Creio no Deus que não tem religião...
criador do universo, doador da vida e da fé, presente em plenitude na natureza e nos seres humanos. Deus ourives em cada ínfimo elo das partículas elementares, da requintada arquitetura do cérebro humano ao sofisticado entrelaçamento do trio de quarks.

Creio no Deus que se faz sacramento em tudo que aproxima, atrai, enlaça, abraça e une...
O amor. Todo amor é Deus e Deus é o real.
Em se tratando de Deus, bem diz o pensador islâmico Rumî:

"Não é o sedento que busca a água, é a água que busca o sedento.
Basta manifestar sede e a água jorra."

Creio no Deus que se faz refração na história humana...
e resgata todas as vítimas de todo poder capaz de fazer o outro sofrer.
Creio em manifestaçoes divinas (Teofanias) permanentes, e no espelho da alma que me faz ver um Outro ser que não sou eu.

"Creio no Deus que, como o calor do sol, sinto na pele, sem no entanto conseguir fitar ou agarrar o astro que me aquece."

Creio no Deus da fé de Jesus...
Deus que se aninha no ventre vazio da mendiga e se deita na rede para descansar dos desmandos do mundo.
Deus da Arca de Noé, dos cavalos de fogo de Elias, da baleia de Jonas.

Deus que extrapola a nossa fé, discorda dos nossos juízos e ri de nossas pretensões.
Deus que enfada-se com nossos sermões moralistas e diverte-se quando ao ver as marotagens humanas. 

Creio no Deus que, na minha infância, plantou uma jabuticabeira em cada estrela...
e na juventude, enciumou-se quando me viu beijar a primeira namorada.
Deus festeiro e seresteiro, ele que criou a Lua para enfeitar a noites de deleite e as auroras para emoldurar a sinfonia passarinha dos amanheceres.

Creio no Deus dos maníacos depressivos...
das obsessões psicóticas, da esquizofrenia alucinada.
Dos loucos confinados em sanatórios.

Deus da arte que desnuda o real...
e faz a beleza resplandecer prenhe de densidade espiritual.
Deus bailarino que, na ponta dos pés, entra em silêncio do palco do coração e, soada a música, arrebata-nos à saciedade.

Creio no Deus do estupor de Maria...
da trilha laboral das formigas e do bocejo sideral dos buracos negros.
Deus despojado, montado num jumento, sem pedra onde recostar a cabeça, aterrorizado pela própria fraqueza.

Creio no Deus que se esconde no avesso da razão atéia...
observa o empenho dos cientistas em decifrar-lhe os jogos, encanta-se com a liturgia amorosa de corpos excretando sumos a embriagar espíritos.

Creio no Deus intangível ao ódio mais cruel...
às diatribes explosivas, ao hediondo coração daqueles que se nutrem com a morte alheia.

"Misericordioso, Deus se agacha à nossa pequenez, suplica por um cafuné e pede colo, exausto frente à profusão de estultices humanas."

Creio sobretudo que Deus crê em mim...
Deus que crê em cada um de nós, em todos os seres gerados pelo mistério abissal de três pessoas enlaçadas pelo amor e cuja suficiência desbordou nossa Criação sustentada, em todo o seu esplendor, pelo frágil fio de nosso ato de fé.  


Santa Teresa - ES
14 de julho de 2010. 

3 comentários:

  1. Creio no Deus, que a cada Eucaristia celebrada, nos liberta e nos cura de toda escravidão do pecado.

    Creio no Deus,que nos enviou seu filho, que foi humilhado, torturado, insultado e desprezado, para remissão dos nossos pecados.

    Creio no Deus, que nos enviou seu filho Jesus, anunciando Seu Reino nos convidando à conversão.

    Enfim... Creio em Deus.

    Abraços Decolores
    Key

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  2. __________________

    Querida Kei...
    Tuas palavras completam aquilo que o texto revela.
    Também Creio na Força do amor que tanto nos aproxima e nos torna semelhantes.
    Creio na bonade do teu coração e na beleza que há dentro dele.
    Um abraço fraterno.
    Bençaos à querida família.

    Frei Eduardo F. melo
    A paz.
    ________________________

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  3. Enfim, Deus dos simples de coração.

    Obrigada Frei, por ter passado lá no meu cantinho paradoxal.


    ^^

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