quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O Lamento da História.



Acordamos esta semana chocados com mais uma tragédia no Brasil
De repente, fomos arrancados da normalidade e nos sentimos irmanados pela dor. Acompanhamos pela tv a morte prematura de mais de 230 jovens no sul do país, e mais uma vez nos chama a atenção a vulnerabilidade de todos os sistemas de segurança.
O episódio trágico de Santa Maria nos faz defrontar com aquilo que a a filosofia trata como contingência
Esclareço: contingência significa que há acontecimentos desnecessários. 
Os fatos tenebrosos da vida não fazem parte de um encadeamento lógico e inevitável.

Afirmar que uma tragédia pode ser evitada implica em que ela não foi orquestrada por uma divindade. 
Na contingência fatos ocorrem sem alguma razão que os explique ou justifique, e que escaparam da engrenagem de causa e efeito. Se o teto de uma igreja cai, se um avião despenca, se uma boate pega fogo, é porque o mundo contém espaço para acidentes – causados por negligência, falha humana ou mecânica - e podem matar sem que se atrele esse acontecimento à destino, fantasia, punição ou plano de Deus.

Sem questionar, muitos repetem a crença de que "só se morre quando chega a hora". Para que tal afirmação seja verdadeira, destino precisaria vir escrito com “d” maiúsculo, pois o DESTINO necessitaria de inteligência e controle para reunir em uma casa de espetáculo, avião ou ônibus, todas as pessoas destinadas a morrer naquele dia específico. 

"Acreditar assim concede à fatalidade um poder apavorante: imaginar que jovens, seduzidos por uma orquestração oculta, entraram como gado no matadouro torna-se uma conclusão terrível."
 
Da mesma forma, muitos tentam encadear os eventos acidentais da vida, supondo que Deus “permite” sinistros com algum propósito. 
Querem dizer que cada pessoa, com histórias, projetos, sonhos, viu-se arrancada da existência “porque Deus assim o quis”. 
Nessa afirmação, pode-se concluir que o objetivo de Deus seria um mistério que ninguém entende e que só será revelado a longo prazo...

QUESTÕES:
Como ter fé em um Deus que “deixa” rapazes e moças se pisotearem até a morte? 
Será que Ele precisaria utilizar-se de eventos macabros para ensinar as pessoas a terem medo dele? 
Esse é o seu jeito de produzir arrependimento? 

Tal entendimento faria com que a biografia de cada indivíduo que "se perdeu" fosse descartável. 
Deus precisaria, inclusive, manter-se frio, desprezando as lágrimas de mães e pais. 
Alguns chegam a ensinar que o Divino Oleiro faz o que quer e não podemos questioná-lo. Deus mata, afoga, asfixia e dá as costas em “vontade permissiva” porque deve conduzir a história para a sua glória final?

Nas grandes tragédias, alguns se contentam em explicar os eventos através da doutrina do controle absoluto
Afirmam que Deus tem todo o poder e não seria difícil para ele reunir em um só lugar as pessoas que deveriam morrer. 
Um Deus com requintes desse maquiavelismo, não passaria de um demônio. 

"Como falar da vida depois da morte para consolar mais de duzentas mães acorrentadas à trágica realidade, de que Alguém lhes roubou a razão de viver?"
 
A idéia de que Deus tem um plano para cada morte se esvazia e perde o sentido diante dos números. 
Aviões caem, ônibus tombam, boates incendeiam. 
Todos os dias incontáveis acidentes acontecem. 
Como explicar as balas perdidas, os erros médicos e os atropelamentos provocados por bêbados? Todos cumprem alguma ordem ou são inevitáveis?  
Uma senhora de nossa comunidade caiu da laje de sua casa em construção, quebrou a coluna e ficou paraplégica. Ela fotografava a obra para que a filha lhe ajudasse nas despesas do acabamento. A mais tosca explicação que a teologia poderia dar ao seu infortúnio é que Deus teria um "plano" para deixá-la paralítica, ou a "puniu" por algum pecado...

Jesus considerou em seus ensinos um mundo contingente. 
Contradizendo a religiosidade popular judaica, ele teve a lucidez para interpretar um acidente trágico como fatalidade casual, quando desconectou a queda de uma torre de qualquer desígnio divino. (Lucas 13, 4)
Ele não concordou com a insinuação dos discípulos de que a cegueira de um mendigo era consequência do pecado dele ou de seus antepassados (João 9, 1-5). No Sermão da Montanha, Cristo advertiu os seus seguidores de que mesmo alicerçando a casa sobre a rocha, eles não seriam poupados dos ventos contrários e da tempestade. (Mateus 7, 24-27)

O mundo das relações, devido ao amor, precisa de liberdade, e essa liberdade produz a contingência e ainveitabilidade do sofrimento. 
Portanto, acidentes, percalços, incidentes, fazem parte da condição humana. 
O contrário seria absoluta segurança. Sem a ameaça do sofrimento, sem a possibilidade da morte prematura, não enfrentaríamos ameaça de espécie alguma. 
Acontece que a ausência da contingência nos desumanizaria. 
A consciência do risco de adoecer e a imprevisibilidade da morte súbita, embora angustiantes, são o preço que pagamos por nossa humanidade. 

Jesus encarnou e viveu a compaixão de Deus...
Porque compadecer significa sofrer junto, para nos mostrar que Deus sabe do risco de viver. 
Ele reconhece que mal e bem acontecerão no espaço da liberdade, por isso, oferece o ombro e as lágrimas. Deus não deseja que nossa vida se perca no inferno da dor.

"Qualquer desastre revela a inutilidade de pensar que o exercício correto da religião ou a capacidade tecnológica bastam para anular a contingência."

A vida será sempre imprecisa e efêmera. 
Procurar evidências históricas, legitimar previsões apocalípticas, buscar explicações religiosas, ou tratar a tragédia como acontecimento projetado por desígnios divinos, definitivamente não é a melhor opção, numa hora como essas.
Diante da inevitabilidade do sofrimento, aprendamos a chorar com os que choram.
Creio que é somente isto o que nos resta!

Salamaleiko.

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