Transfiguração.

Dizem que Oscar Niemeyer projetou a Catedral de Brasília como uma metáfora da vida.

Ao contrário de outras igrejas, a entrada da catedral de Brasília desce e é escura. 

Ali está representada a idéia "da entrada do vale e da sombra da morte" narrada no Salmo 22. A luz só é contemplada quando, depois da descida, chegamos à nave e ficamos extasiados por tão grande imagem.

Niemeyer quis traduzir esta idéia com sua arquitetura.

O Salmo e a catedral descrevem a vida de cada ser humano, que por vezes declina e fica escura. 

Sempre existe alguém que sente o caminho, já estreito, rebaixar e afunilar. 

As poucas luzes atrapalham os passos. 

Descer desfalece. Faz doer os joelhos. Subir montanhas é atitude de gente "forte".

Quando falta ânimo, a alma mostra sinais de cansaço e pede “um pouco mais de calma”, como diria Lenine.

Todos nós já experimentamos na vida, momentos amargos e tristes. 

Nosso organismo absorve produndamente o abatimento que sofre a alma. 

Num determinado momento de minha vida, alegrava-me por ser um bom dorminhoco.

Mas, uma época, sem saber como, comecei a acordar entre três e quatro da madrugada. 

Um amigo me dizia que eu estava acordando cedo demais pelo excesso de preocupações pastorais.

Para contornar a insônia eu repetia algumas preces. 

Tentava concentrar o pensamento em algumas boas idéias. 

Rezava o terço a fim de apaziguar minha alma inquieta. As vezes, não adiantava!

Sem entender bem o motivo de minhas preocupações, essas noites eram meu "vale da sombra da morte".

Andar em vales escuros deixa a gente agoniado e com o "choro" entalado na garganta.

Agora, porém, na maturidade, noto que aumentaram alguns de meus prantos. 

Algumas situações fazem disparar o meu coração. 

Noites escuras também pedem terapia. 

Depois de alguns anos, perdi o medo e procurei uma terapeuta. 

Eu necessitava desabafar detalhes sobre o que espetava a minha alma em um ambiente desprovido de algumas culpas religiosas. 

Certo dia, comecei a sessão assim...

- Doutora, estou cansado! quero que o mundo pare, preciso descer. 

Ela fez um gesto com o rosto, olhou fundo e me disse:

- Eduardo, voce não precisa querer parar o mundo todo. 

Por que não parar algumas coisas e descer delas? 

Com olhar de menino que acaba de aprender a somar, restou-me sorrir e dizer: 

-É…verdade! Eu só precisava parar alguns carrosséis e descer deles.

Prestei atenção a certas luzes vermelhas que vinham piscando. 

E antes que a máquina pifasse, comecei a puxar alavancas.

"Desacelerar pode não ser questão de escolha, mas de sobrevivência. "

A "sombra da morte" do salmo 22 se projeta no caminho de todos. 

A música do Lenine tinha profunda razão: “A vida é tão rara”. 

No meio do caminho sombrio, aprendo a procurar a mão de outros viajantes.

Sei da importancia de prosseguir, mesmo junto a desconhecidos.

Como na metáfora da Catedral de Brasília, sei que nenhuma "noite escura" é eterna. 

Logo adiante, brilhará o clarão do dia.
Nos vales tenebrosos, torna-se necessário distanciarmo-nos de situações asfixiantes. 

Aprendo tardiamente que não adianta tentar esconder antigos ressentimentos. 

A alma nos pede o cuidado em cicatrizarmos feridas emocionais. 

Para que o coração esteja livre para amar, é necessário bater o pó da sandália, evitar qualquer sentimento de vingança.

Hoje, sei que devo agradecer.

Toda expressão de amor é digna de agradecimentos. 
Na solidão do caminho, aprendo a peneirar na literatura, nas andanças e na liturgia da vida uma fé que encha de beleza minh'alma inquieta. 

Busco na ação do Espírito divino a serenidade que me ajudará a lidar com os abismos de meu inquieto ser. 

Deixo de lado o receio de repetir o chavão: 
“hoje é o primeiro dia do resto de minha vida”. 

Atento, preciso saber identificar o que me esmaga contra o pó.
sigo confiante, na certeza de que...

"O melhor ainda está por vir..."

"Sei em quem coloquei a minha confiança, e sei também que Ele é capaz de guardar o meu depósito até o fim".

( 2 Timóteo 1, 12)

Salamaleiko.