quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O medo de enfrentar!



 

Sinto melancolia ao lembrar o dia em que João procurou-me para conversar.  
Ele tinha 35 anos de idade, era alto e magro.
Funcionário de uma multi-nacional e atleta, tinha uma vida estável, porém, mal-sucedida em seu casamento.
No meio do encontro, ele começou a contar que se sentia deprimido.
Perguntei se ele identificava alguma causa para sua tristeza:

"-Tenho medo de me frustrar e perder o resto de minha vida”, retrucou, entre uma fala e outra.

Pelo restante da conversa procurei mostrar-lhe que podia descansar.
Procurei mostrar que Deus nos ama sem nos cobrar desempenhos e, mesmo não alcançando pleno êxito, continuamos queridos por ele.
Falei-lhe que Deus, ao contrário das pessoas, não desiste dos mal-sucedidos, de pessoas que pecaram gravemente e perderam o "rumo".
Porém, duas semanas depois, chorei: João tinha se suicidado.

João tinha medo do presente e do futuro.
E por mais que tenha se esforçado, não conseguia reverter seu desespero. 
Atrelado ao medo de se frustrar profissionamente, vivia uma profunda tristeza em seu casamento.
Não era feliz ao lado da mulher que casara.
Estava dividido. Sofria marcas por erros passados.
Traumatizado pela indecisão de se separar ou seguir adiante no casamento, somava-se o acúmulo de antigas frustrações de sua juventude.

Sua morte me desmoronou. 
Tinha aprendido a amá-lo. 
Meus conselhos e orações, aliados ao cuidado de outras pessoas, não o ajudaram.
Nada, absolutamente nada, reverteu seu desânimo, e ele se puniu com o mais desastroso ato, castigando a todos nós.
 
Angústia e depressão fazem parte da nossa existência.
Vários personagens da história secular e bíblica tentaram fugir para dentro de cavernas escuras em momentos semelhantes; abatidos, nem sequer imaginavam encontrar forças que lhes devolvessem a esperança.

Vários personagens da Bíblia sofreram com a realidade do fracasso.
Moisés, Davi, Elias, o profeta Jeremias, João Batista e tantos outros foram pessoas que viveram confrontados por terriveis dilemas.

Essa apatia não lhes tirava apenas o sono; acordados, tinham de conviver com um pessimismo infinitamente triste.
Pensamentos mórbidos são comuns, porém, não precisam terminar de forma tão trágica.


No trágico suicídio do João, aprendi duas coisas:

1- Que as pessoas não têm, necessariamente, medo de morrer; elas se apavoram mesmo é por não saberem viver diante da necessidade de obterem e darem uma resposta;

2- Que a dor da alma é maior do que a possibilidade da dor provocada pela morte; elas só querem é evitar uma vida sem sentido, que vem da noção de que existimos, mas desapareceremos sem importância.


O escritor Milan Kundera afirmou:

Toda pessoa têm dificuldade de aceitar o fato de que desaparecerá um dia, desconhecida e despercebida, distante de quem amou em direção a um universo diferente”.

Isso explica por que algumas pessoas se esforçam tanto para realizar algo extraordinário — até mesmo um suicídio.
Não há ninguém nesta terra que não deseja ser valorizado em vida e lembrado depois de morto.


Algum tempo depois soube de uma história.
Contaram-me que João passara a infância angustiado com o desejo de agradar seu pai, mas acreditando que nunca conseguiria.
A idéia de ter de agradar sua família, uma carreira acadêmica e uma profissão honrada, tudo lhe causava ansiedade.
Na adolescência, jogava futebol com os olhos fitos na arquibancada, esperando ganhar um sorriso de aprovação de seu pai, que não vinha.


Triste fato.
João formou-se em engenharia, mas, envergonhado, não celebrou a formatura.
Não alcançara nota máxima em todas as matérias e na defesa de sua monografia.
Ridicularizado por alguns alunos, encerrava parte de sua carreira acadêmica com a frustração de ter vencido a batalha, mas nao ter conquistado a guerra.
 
Assim, ao projetar sua vida futura, ele se deprimia antecipando possíveis fracassos. 




Uma Leitura casual
 
Fico preocupado quando vejo que o mundo religioso atual enfatiza tanto as exigências rigorosas de um Deus difícil de ser agradado.
A maioria de nós, cristãos brasileiros, jamais concordaríamos com a música do grande compositor Gilberto Gil:

“Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que aceitar a dor/
Tenho que comer o pão/ Que o diabo amassou/
Tenho que virar um cão/ Tenho que lamber o chão”.

 
Contudo, o comportamento da grande maioria confirma o conteúdo da música.
Como querer fugir da dor?
Quem se arrisca a viver uma vida feliz sem contar com a chegada repentina do fracasso?
Quem aqui tem calibre suficiente pra passar pela estrada da vida blindado dos percalços que nos arrastam para baixo, evidenciando nossa miserável humanidade? 
Querm aqui na luta pela conquista dos sonhos, passou ileso pela vida sem a necessidade de "lamber o chão"?
 
Percebo que a espiritualidade que se difunde e prevalece atualmente no cristianismo brasileiro oprime as pessoas com fardos pesados.
Multiplicam-se pelo Brasil igrejas que não deixam as pessoas esquecerem suas dívidas e pecados passados perante um Deus implacável na defesa de sua lei e "verdade".

Nessa religião, ninguém descansa.
Deus é buscado com força, como se longe estivesse deste mundo.
Esquece-se facilmente que Fé verdadeira é "descanso" em Deus.
Saber-se amado e querido por Ele, independente do "estado de graça".
Não se confia na misericórdia.
Requer-se sacrificio para aplacar e conquistar a divindade. 
 
Na fé da pós modernidade...
muitos lideres religiosos culpam as inadequações humanas pelos revezes da vida, e todo contratempo acontece como resultado do pecado ou de eventuais brechas por onde o diabo entrou.

Na fé da pós modernidade...
Multidões lotam essas igrejas, ávidas por saberem como agradar a um "Deus manhoso".
Desse modo, cultuam sem jamais esperarem afeto ou compaixão da parte de Deus.
Procuram a divindade por aquilo que "Ela" pode lhes dar.

Na fé da pós modernidade...
Tudo se resume em como conseguir afastar o mal e “alcançar bênçãos”.
Se alguém almejar “conquistar” o amor divino, precisará fazer sacrifício, passar por ritos punitivos e, lógico, dar ofertas. 





Na fé da pós modernidade...
Passou-se da antiga Teologia da Prosperidade, agora, para uma "Teologia da contabilidade".
Cristãos são convidados por seus líderes a "prestarem conta" de tudo o que "Deus" tem realizado em suas vidas: como o comércio melhorou, de como a conta no banco prosperou, de como o sucesso chegou e os investimentos decolaram.

Na fé da pós modernidade...
Privilegia-se o "dar certo" em detrimento do "estar certo."
Passa-se de uma Fé que se baseava da lógica do serviço e do amor a Deus, à uma Fé que privilegia a lógica da sobrevivencia capitalista num mundo que é obra do mal.
Por isso, tantas campanhas para conquistar "território" e impedir a ação dispersiva do "diabo" e do mal no mundo.

Creio que as pessoas não precisam desse tipo de religião..
O fardo de viver já lhes pesa demais.
Elas carecem de uma mensagem diferente:

"Deus não desiste de amar, mesmo quando seus filhos não merecem.

O amor de Deus, independente de acontecimentos exteriores, é leal. 
Nada diminuirá seu compromisso de oferecer o melhor para que seus filhos cresçam, mesmo que para isso venha o sofrimento."

Na parábola do pródigo, o Pai disse ao filho mais velho: “Tudo o que tenho é seu”.
Essa frase precisa ressoar na mente de todos os cristãos, pois ela contém a promessa bíblica de que somos co-herdeiros com Cristo. 


 Segundo Dietrich Bonhoffer, em seu "Tratado sobre a Graça":
 
"Deus não estima as pessoas por sua capacidade de cumprir mandamentos ou alcançar níveis excelentes de santidade. Ele ama gratuitamente".

Chorei com a morte do João...
Mas solidifiquei minha percepção da graça.
O bem que Deus derrama ratuitamente sobre nós, os seus filhos, não vem atrelado a desempenho humano ou santidade pessoal. Ele não abandona os malogrados.
 
Ninguém precisa ter medo de fracassar...
porque ninguém precisa fazer jus ao amor de Deus.
Ponto final.

Creio...

Desse modo, qualquer um pode se sentir convidado para o banquete divino.
Podemos nos colocar como peregrinos neste mundo rumo ao fantástico projeto de ser lapidado à imagem de Jesus nesta bonita jornada da vida. 


  
Salamaleiko.

2 comentários:

  1. Inspirado hein meu irmão!!!! muito bom o texto , mas acho que um suicida na maioria das vezes procura um alívio para suas dores incuráveis.... sem nehuma outra opção ele busca na morte o alívio que nao encontra aqui , fora as culpas que carrega e a falta de perpectivas futuras a morte é alívio. abraço!!! Renata

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  2. Frei Eduardo,
    Suas palavras fazem muito bem à todos. Imagino que esta melancolia que sentiu na morte do João, foi porque você não teve tempo para passar parte da sua sabedoria para acalmar aquele coração inquieto, angustiado, sofrido.... João,que estava em busca de algo que desse uma reposta às suas amarguras,que controlasse o descompasso no seu coração e que lamentavelmente não soube entender/ver o AMOR que DEUS tem por ele e por todos nós.
    Se tivéssemos mais coragem de enfrentar as angústias do nosso coração, que geralmente está ligado ao nosso passado, teríamos uma leveza na alma como uma pluma...

    Beijos... admiro muito vc.. A Paz

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