quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Palhaços do Circo sem Futuro.




Nunca gostei de entrar em briga.
Lembro-me que quando pequeno eu tinha um medo danado de apanhar na rua.
Certo dia me meti numa confusão danada.
Na verdade meu medo de me envolver em briga vinha da idéia disseminada por papai que afirmava: se tu apanhar na rua, quando chegar em casa te "encho" de porrada. Péssimo conselho.
O escritor Mia Couto  escreveu um dia sobre uma briga entre dois palhaços.
A história parece tão real que por isso decidi transcrever aqui na íntegra o conteúdo do texto.

Uma vez dois palhaços estavam numa praça e começaram a discutir.
As pessoas paravam, divertidas, a vê-los.
- É o que?, perguntavam.
- Ora, são apenas dois palhaços discutindo.
Quem os podia levar a sério? Ridículos, os dois cômicos ripostavam.
Os argumentos eram simples disparates, o tema era uma ninharice.
E passou-se um inteiro dia.

Na manhã seguinte, os dois permaneciam, excessivos e excedendo-se.
Parecia que, entre eles, se azedava a mandioca.
Na via pública, no entanto, os presentes se alegravam com a mascarada.
Os bobos foram agravando insultos, em afiadas e afinadas maldades. Acreditando tratar-se de um espetáculo, os pedestres deixavam moedinhas no passeio.

No terceiro dia, porém, os palhaços chegavam a vias de fato.
As chapadas se desajeitavam, os pontapés zumbiam mais no ar que nos corpos.
A miudagem se divertia, imitando os golpes dos saltimbancos.
E riam-se dos disparatados, os corpos em si mesmos se tropeçando.

E os meninos queriam retribuir a gostosa bondade dos palhaços.
-Pai, me dê as moedinhas para eu colocar no chapéu. 
No quarto dia, os golpes e murros se agravavam.
Por baixo das pinturas, o rosto dos bobos começava a sangrar.
Alguns meninos se assustaram. Aquilo era verdadeiro sangue?
-Não é a sério, não se aflijam, sossegaram os pais. 

Em falha de trajetória houve quem apanhasse um tabefe sem direção.
Mas era coisa ligeira, só servindo para aumentar os risos.
Mais e mais gente se ia juntando.
- O que se passa? – perguntou um morador desavisado.
- Nada. Um ligeiro desajuste de contas. – respondeu um velhinho.
Nem vale a pena separá-los. Eles se cansarão, não passa o caso de uma palhaçada.
No quinto dia, contudo, um dos palhaços se muniu de um pau.
E avançando sobre o adversário lhe desfechou um golpe que lhe arrancou a cabeleira postiça.
O outro, furioso, se apetrechou de simétrica matraca e respondeu na mesma desmedida.
Os varapaus assobiaram no ar, em tonturas e volteios.
Um dos espectadores, inadvertidamente, foi atingido. 
O homem caiu, quase morto.
Levantou-se certa confusão. Os ânimos se dividiram.
  
Aos poucos, dois campos de batalha se foram criando.
Vários grupos cruzavam pancadarias. Mais uns tantos ficaram caídos.
Entrava-se na segunda semana e os bairros em redor ouviram dizer que uma insana divisão se instalara em redor dos dois palhaços.
E que a coisa escaramuçara toda a praça. E a vizinhança achou graça.

Alguns foram visitar a praça para confirmar os ditos. 
Voltavam com contraditórias e acaloradas versões. 
A vizinhança se foi dividindo, em opostas opiniões. 
Em alguns bairros se iniciaram conflitos.

No vigésimo dia se começaram a escutar tiros. 
Ninguém sabia exatamente de onde provinham. 
Podia ser de qualquer ponto da cidade. Aterrorizados, os habitantes se armaram. 
Qualquer movimento lhes parecia suspeito. Os disparos se generalizaram.
Corpos de gente morta se acumulaava nas ruas. 
O terror dominava toda cidade. Em breve, começaram os massacres.

No princípio do mês, todos os habitantes da pequena cidade haviam morrido.
Todos exceto os dois palhaços. 
Nessa manhã os cômicos se sentaram cada um em seu canto e se livraram das vestes ridículas. Olharam-se, cansados.
Depois, se levantaram e se abraçaram, rindo-se a bandeiras despregadas.

De braços dados, recolheram as moedas nas calçadas do passeio.
Juntos atravessaram a cidade destruída, cuidando não pisar os cadáveres.
E foram à busca de uma outra cidade“.

Gostei deste texto do Mia Couto.  
E qual seria a moral da estória?

"Aqueles que gostam de discutir apenas para ganhar pelejas ou firmar dogmas, acabam se transformando em palhaços. E quando bufões pelejam, muita gente pode morrer."
Inspirado pelo texto reafirmo meu compromisso de paz.
Não perderei meu tempo em brigas e discussões que não vão levar a lugar algum.
Os outros que procurem palhaços para o seu espetáculo macabro!

Frei Eduardo F. Melo
Rio de Janeiro - RJ
26 de outubro- 2010.

3 comentários:

  1. Oi Frei, meu nome é Renata , moro em Santa Teresa ES , Lembra? Hoje estou muito corajosa diante desse texto fazer brincadeiras.... mas falando sério , gosto demais do seu blog tão corajosoe tão sincero, sinceridade demais as vezes não e´bem recebida. Gostariamos que todos falassem aquilo que nos agrada "mentiras sinceras me interresam" (Cazuza). Enfim , não é do seu feitio dizer mentiras sinceras!!!! abração. muita paz no coração. Renata Pretti

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  2. Touchê, essa é a questão!

    Uma coisa: eu sempre tive medo de palhaço - o que não é comum - e essa foto, tá tão feia, quando vi ela eu lembrei de quando era criança, o quanto eu chorava com medo dos palhaços. Ah, deu medo. ^¬


    ^^

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  3. Sensacional, Frei! Copiarei.

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