quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Devaneios do Caminhante Solitário!


Janeiro de 2012.
Estou no meio de um curso de 15 dias aqui no interior de Goías.
Clima árido chuvoso, nostálgico e propício para dilemas existenciais.

Outro dia me surpreendi pensando: o que seria de minha existência e do que sou se por acaso eu não acreditasse em Deus. Em termos positivos, quis saber a respeito da função que a Fé tem sobre minha vida.

O primeiro impulso foi na direção da questão ética: Deus é minha matriz de certo e errado, bem e mal.
Há muita coisa que faço e deixo de fazer na vida por acreditar que Deus é um padrão a ser seguido ou obedecido, não necessariamente por causa de Deus em si, mas para o bem de quem o obedece ou segue: algo como seguir as orientações de um manual de instruções – você pode fazer do seu jeito, mas a coisa não vai funcionar, e o resultado não é que o manual vai ficar triste ou bravo com você, mas que a coisa não vai funcionar mesmo.

"Logo depois desta conclusão rápida, me pareceu óbvio que Deus não seria a única alternativa para que eu tivesse uma orientação ética: os ateus e agnósticos também têm sua ética."

O passo seguinte foi imaginar que outra função Deus ocuparia em minha vida além da referência ética.
Provavelmente você afirmaria o óbvio: Deus é aquele que cuida de mim, me protege, provê para o meu bem e minha felicidade. Embora eu acredite nisso, na verdade, esse pensaqmento não me basta, pois a vida está cheia de acontecimentos que me induziriam a acreditar exatamente o contrário. Caso eu dissesse a um cético que Deus é como um pai, mas um pai todo-poderoso que cuida de mim, certamente eu seria bombardeado de perguntas.

Como disse Robert De Niro: “Se Deus existe, ele tem muito o que explicar”.

Além disso, estar sob o cuidado de um superprotetor não é a razão porque acredito em Deus.
De fato, abro mão de ser protegido – minha pouca razão e inteligência não me permite esperar melhor sorte do que a das crianças abandonadas, dos enfermos crônicos, dos miseráveis e vitimados pelas atrocidades dos maus. Ou Deus protege todo mundo, ou a proteção não serve como fundamento para a crença nele.

"A idéia de um ser lá em cima fazendo e acontecendo aqui em baixo, como um mestre do jogo de xadrez que faz dos seres humanos peças num tabuleiro cósmico nunca me agradou."

Mas mesmo assim, acredito nisso: sou daqueles que acredita que Deus está no controle do universo e da história.
O que quero dizer é que não acredito em deus como se as coisas que acontecem ou deixam de acontecer fossem resultado de decisões divinas.

"A maneira como percebo Deus é mais ou menos como percebo o sol: ele simplesmente está lá. Acredito em Deus mais ou menos assim: Deus está, ou se preferir, Deus é."

Assim como o sol irradia seu calor sem cessar, também Deus afeta tudo em todo lugar em relação a todo mundo.
O sol não precisa tomar decisões: ele simplesmente está lá. Assim também em relação a Deus. É verdade que nem todas as pessoas e nem todos os lugares são afetados pelo sol, e também que as pessoas e lugares que são afetados pelo sol experimentam o sol de maneira diferente e com conseqüências as mais variadas. Mas não por causa do sol.

Assim também em relação a Deus. Ele é, e sempre do mesmo jeito, as condições que lhe são dadas é que mudam.
Uma criança sozinha na rua e outra num ambiente familiar de afeto e amor; um homem que aproveitou bem suas oportunidades de estudo e formação profissional e outro que não teve a mesma sorte; alguém com uma doença congênita e outra pessoa com propensão atlética...entendem?

"Creio que Deus é sempre o mesmo. Fluindo de maneira plena e igual sobre tudo e todos, em todo tempo e lugar. As realidades sob sua influência é que são distintas."

Por esta razão as conseqüências de sua influência são diversas e jamais podem ser padronizadas.
Já imagino o que você está pensando. Você acha que acabei de tirar a dimensão pessoal de Deus, e passei a tratar Deus como uma força ou uma energia. Faz sentido, mas tenho uma saída...

"A diferença entre Deus e uma força ou energia é que as forças e energias não afetam dimensões pessoais."

Creio que as virtudes como amor, perdão, misericórdia, justiça, solidariedade, pureza de coração, alegria e saudades são atributos pessoais, relativos a seres conscientes, com capacidades afetivas-emocionais, intelectuais e racionais.

Por esta razão, o sol é apenas uma metáfora...
Incompleta, como toda metáfora – para Deus. Deus não é uma energia ou uma força impessoal, mas o Ser–em–Si, fundamento pessoal de toda a realidade existente.

"Como disse São Paulo, apóstolo: em Deus somos, nos movemos e existimos."

Creio que a principal maneira como somos afetados por Deus se dá através dos pensamentos e sentimentos que são nossos, mas não tiveram origem em nós.
Esta é, em poucas palavras, minha inespressivel percepção e experiência de Deus.

Continuo acreditando que Deus está no controle de tudo...
é livre para tomar decisões e afetar a realidade conforme sua vontade, cuida de mim e de todo mundo, faz e acontece na história e nas minhas circunstâncias, dispões de pessoas para a vida e para a morte, e o que mais você quiser ou considerar necessário atribuir como capacidade e direito a alguém que seja chamado Deus, afinal, por definição, Deus é incondicionado e ilimitado.

"O que me sustenta é saber que em pastos verdejantes às margens de águas puras e cristalinas, ou no vale da sombra da morte, nada preciso temer, pois Deus está comigo, refrigerando-me a alma, guindo-me pelos caminhos da justiça por amor do seu nome."
Não sei como seria minha vida se eu não acreditasse em Deus.
Mesmo com meus pecados e misérias, refazendo a vida a cada manhã que nasçe, vou tocando minha vida em frente, na certeza de que...

"O melhor ainda está por vir..."

2 comentários:

  1. A alguns meses uma colega do trabalho se aproximou e disse;tenho te observado e quero te fazer uma pergunta,e continuou; você faz o bem aos outros por amor a Deus,ou por temer a justiça divina?.Em uma resposta imediatista e espontanêa respondi;como sou de familia tradicional e religiosa aprendi desde cedo que se deve faze-lo,sem esperar nada em troca, concluo que faço por amor.Mas a partir dai passei a observar como entendo,e como se expresa minha vida com Deus,e tenho crescido sempre.Me identifiquei bastante com seu texto e acho de bom proveito não querer entender,
    mas conhecer a intimidade dessa relação de amor entre Deus e eu.
    Muito gentil partilhar conosco,obrigado!

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  2. Belo texto e principalmente o conteúdo. Falar de Deus realmente nos leva a pensar distintos caminhos e dúvidas mas, quando acima de tudo colocamos o amor d'Ele por nós, que se apresenta nas pequenas coisas e também na forma como nossa vida é transformada quando nos abrimos a viver como, através de Seu Filho Jesus Cristo, nos ensinou vemos que Deus é muito maior que qualquer coisa com a qual tentamos comparar. Ele é presente e sentimos isso não fisicamente (como mencionado o exemplo do Sol) mas de forma interior que nos faz transbordar seu amor aos irmão. Vemos Deus todas as vezes que vemos um ato de amor de alguém que se dá pelo próximo. Muitos buscam encontrar Deus, ver Deus em coisas tão distantes que não conseguem perceber que podem ser eles mesmos a própria imagem de Deus se abrirem seus coração para que esse poder entre, transforme e ilumine todos ao seu redor! Parabéns pelo texto querido Frei Eduardo! Paz e Bem! Werner Lima/Teresópolis/RJ

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