"As sombras caem dos altos montes.
O sofrimento é escola da alma..."
Deus ouve o nosso gemido...
A cena ainda permanece em minha cabeça...
No calendário pregado na parede marcava: 16 de agosto de 2009.
Venho acompanhando pacientes no hospital público de minha cidade. Como não poderia deixar de ser, um sentimento de compaixão vem tomando meu coração antes e depois de cada visita realizada. Quero aprender sobre Humanidade, por isso esrevo o que vi.
Com o grito da dor aprendo que a vida é fugaz...
Que a cura é uma necessidade humana universal...
E que é bom estar ao lado de quem vê a vida através da janela de um quarto de hospital.
Não quero aqui delinear um pensamento apoiado nas "desgraças" alheias. Essa não é minha intenção. Desejo apenas expressar minha gratidão aos que sem saber, fazem da dor o “adubo de minha humanidade em expansão”.
No alto daquele monte ele agonizava no leito isolado da UTI daquele hospital. Seu nome não poderá ser revelado (por respeito ao seu quadro clínico, o chamarei de Arnoldo).
Sua aparência era a de um homem martirizado pela cruz.
No prontuário pregado na parede, seu diagnóstico:
Gripe a1 n1 (também chamada Gripe suína). Na porta de entrada do hospital fui surpreendido pela sua mulher que pranteava em desespero. Seu choro agúdo retinia pelos corredores como um grito sem esperança. O sol se punha para aquela família, justamente no dia em que mais precisavam de luz e calor.
"...Suas dúvidas lasceraram meu coração como uma serra elétrica que perfura e espalha sangue por todos os lados. Ninguém conseguia ficar inerte diante da cena. Ouviamos o grito de uma mulher desesperada com a falta de reação do seu amado, angustiada pela falta de expectactivas."
Os médicos revelavam um tom apreensivo com a possibilidade de novas contaminações no hospital. Ele era, sem saber, alvo de olhares e de tensões que se espalhavam nas rodas de conversa daquele epicentro hospitalar.
Na entrada do recinto, o que se via era a imagem de um ser martirizado. Sonolento e "despojado de suas vestes", dopado pelos sedantes daquela “alquimia farmacológica anti-letal”, seu rosto expressava um mórbido e taciturno olhar.
"Ele me pediu comunhão. De olhos baixos e com uma sonolência estranha, abençoei-o com o coração em lágrimas. Com as mãos cheias do óleo, ungi sua fronte como o personagem do salmo 22."
Mal podia tocar em seu rosto, tantas eram as roupas e paramentos que fui obrigado a usar para me “proteger” daquela epidemia maldita.
Sua cura era um projeto ainda distante, estrada que nenhum estudioso conseguira percorrer até então. Sua doença ainda não tinha indicações. Que dor! Sofrer de algo que não se conhece.
Desamparado pela medicina, um cristo padecente reluzia em minha frente sem a mínima expectativa de cura e salvação. Crucificado pelo sistema, desejei ser solidário com sua tristeza.
"...Como havia acontecido em dias recentes, senti meu coração amargar. Chorei como aquela criança na infância quando vê sua mãe ir embora na porta da escola. Lembrei-me de quando papai ficou internado naquele sujo hospital de São Gonçalo e chorava uma dor que machucava em mim."
Entendi que quando não podemos mais falar, quando a nossa dor é tão grande, mesmo assim não estamos sós. Deus ouve o nosso gemido.
Conforta-nos saber que nas horas em que não temos como articular um pensamento, uma frase ou um grito para o céu, naqueles momentos em que não sabemos expressar bem nossos sentimentos e nossas angustias, Ele está perto de nós. Ele nunca nos abandona.
"Sem perceber....eu era a mão estendida do cristo que descia da cruz para tocar nas chagas daquele outro cristo padecente que agonizava no “horto” de um hospital.
Minhas mãos eram como patenas que elevavam ao céu o corpo padecente do cristo que sofria na terra. E ele, como o Cristo que descia do céu, trazia-me do alto suas dores e chagas para me curar."
Mesmo quando não conseguimos expressar nossa dor, Ele ouve nosso gemido. Simplesmente porque Ele nos quer bem, e não espera de nós nada em troca que não possamos dar.
Ele curou os enfermos, quando estes foram abandonados pelos outros.
Ele morreu na cruz, quando todos festejavam a páscoa.
Ele assumiu a culpa, quando todos lavavam suas mãos na inocência.
Ele ressuscitou e venceu a morte, quando todos pensavam que ele estava derrotado.
Por isso repito com a escritora Simone Weil...
"...Creio no Sol, mesmo que ele não brilhe.
Creio no Amor, mesmo que ele esteja oculto..
Creio em Deus, mesmo que Ele esteja em silêncio..."
E mesmo que Ele não apareça na hora em que mais precisarmos...
Mesmo que Ele permaneça "aparentemente surdo" diante do grito do desespero, mesmo assim, eu creio: Ele agirá. Ele não tardará.
E enquanto pudermos, que sejamos a Sua mão estendida para o nosso próximo. Só assim, creio, Ele cumprirá sua sina em nós."
Essa é a questão.
Mesmo que Ele permaneça "aparentemente surdo" diante do grito do desespero, mesmo assim, eu creio: Ele agirá. Ele não tardará.
E enquanto pudermos, que sejamos a Sua mão estendida para o nosso próximo. Só assim, creio, Ele cumprirá sua sina em nós."
Essa é a questão.
Frei Eduardo F. Melo.
26 de setembro de 2009.
Salamaleiko.
26 de setembro de 2009.
Salamaleiko.
Gostei muito do que o senhor fala sobre si... Parabéns pelo Blog... Este é um grande meio de Evangelização e troca de experiências de vida. O que temos guardado conosco, não pode ficar guardado nas gavetas e no coração... Um fraternal abraço e certamente o Senhor e São Francisco então com o senhor e o seu trabalho. Fraternal abraço, Iza.
ResponderExcluirLindo teu blog! Estou muito feliz em conhecer o senhor.. que belo trabalho para nossa Igreja! Parabéns, Frei, e que Deus derrame muitas bençãos sobre o senhor e a sua missão... É também no encontro com irmãos assim que nos sentimos parte de uma família realmente muito bonita e rica! Um grande abraço!
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