quinta-feira, 27 de junho de 2013

Diálogos noturnos em Jerusalém.




Comecei essa semana a leitura do Livro "Diálogos noturnos em Jerusalém", do escritor e teólogo Carlo Maria Martini. No centro do diálogo, o sonho comum em favor de uma Igreja aberta e transmissora da esperança para os povos, e principalmente para a juventude.  

O local onde o livro foi escrito é significativo: a cidade de Jerusalém. Essa “cidade da paz” reflete o toque doloroso de um tempo de intransparências e de conflitos que urgem nossa atenção.  

Carlo Maria Martini nasceu em Turim, em 1927. Ainda jovem, tornou-se jesuíta. Foi ordenado presbítero em 1952. Durante muitos anos viveu em Roma, trabalhando no Pontifício Instituto Bíblico, de que chegou a ser diretor. Foi bispo de Milão entre 1980 e 2002. Terminado o pastoreio na maior diocese do mundo, passou a residir na casa dos jesuítas em Jerusalém, local que tive a grata alegria de visitar, quando de minha viagem à Israel, em junho de 2010.

O Cardeal Martini é considerado uma das figuras mais marcantes da Igreja contemporânea por causa do testemunho de vida, da firmeza na fé, da profundidade intelectual e espiritual no trato com a Sagrada Escritura, da coragem em suas tomadas de posição em relação ao futuro da Igreja.


Abaixo algumas de suas Idéias:


DESAFIOS PARA A IGREJA

Para ele, as mudanças que ocorrem na Europa (e no mundo) não podem ser causa de lamentos, e sim, de uma maravilhosa chance para toda a Igreja. As crises que acompanhamos no mundo e as crises no corpo eclesiástico da Igreja representam um momento oportuno de sair a campo, arriscar tudo e demonstrar coragem e audácia de arriscar. 

"Quando a Igreja se acha na mais perfeita tranqüilidade, bem entrosada com os poderes e os poderosos deste mundo, é sinal de preocupação. É bem provável que o evangelho esteja sendo traído em algumas de suas grandes exigências."

DEUS E A EXPERIÊNCIA DE DEUS

Deus não é uma realidade evidente nem a pergunta filosófica por ele constitui o primeiro passo. No princípio se encontra a experiência iniciadaquase sempre em casa e que se desdobra no decorrer da vida e da história da pessoa: -“Meus pais me deram a fé em Deus como um presente. Minha mãe me ensinou a rezar”.

O mais importante na experiência de Deus é a “arte da atenção”. 
Jesus era atento ao contexto de todas as pessoas e a partir da observação dos "contextos", ele criava parábolas que indicavam sua compreensão do que era o reino de Deus.

"No mundo de hoje, em meio a tantos descaminhos e desacertos, o reinado de Deus dá sinais de que está se realizando, em acontecimentos de maior evidência e na rotina diária comum a todos."

A “arte da atenção” é o caminho para escapar ao cinismo e ao desespero a fim de prosseguirmos na esperança, mesmo no “tempo sem sol” em que nos encontramos. O cardeal Martini se põe na esteira de Tomás de Aquino, que não temia dúvidas nem questionamentos sobre a fé e sobre o próprio Deus, porque confiava na força da Verdade.

Experiência de Deus não significa intervencionismo miraculoso, e sim confiança e atenção à discreta eficácia do amor de Deus em ação na trama da existência humana. 

"Realidades humanas e mistérios divinos andam sempre de mãos dadas".



O SILÊNCIO DE DEUS 


Esta é a mais dura realidade da fé que um cristão pode experimentar. Podemos pensar nas grandes tragédias universais, como o extermínio dos 6 milhões de judeus pelos nazistas, as guerras mundiais e as perseguições político- econômicas registradas nos países mais pobres. Ou podemos lembrar ainda das obscuras tragédias do cotidiano: as mulheres que nada podem fazer pelos filhos envolvidos com o tráfico de drogas, as crianças sozinhas em casa à noite, porque a mãe precisa ganhar a sobrevivência na prostituição, a corrupção política que assola os povos, os animais maltratados... 

Por que Deus se cala diante de tanta dor? 
Para muitos, esse silêncio indica o vazio e o absurdo do real. 
Só resta a tentativa de criar um sentido ou mergulhar no não-sentido. Para o crente, a experiência do silêncio de Deus se assemelha ao protesto de Jó 3 e ao grito do Cristo na cruz (Mc 15,34). Não são expressões de desespero, mas de confiança. Uma confiança que persiste, não se deixa vencer e desemboca no compromisso com os que sofrem.

“Por que Deus não fez com que meu marido adiantasse ou atrasasse a viagem em cinco minutos? Com isto, ele teria evitado o acidente fatal que o matou”, me perguntava uma amiga. Não sei responder a sua pergunta, disse-lhe, mas apesar do que aconteceu confio em Deus e estou aqui a seu lado, compartilhando a sua dor”. 

Apesar de tanto absurdo, o sentido da vida perpassa a criação, e a história um dia dirá a última palavra. Cabe aos crentes a missão de fazer com que essa última palavra comece a ser balbuciada já a partir de agora.

O CRISTÃO DIANTE DO MAL E DO SOFRIMENTO

“Se olho o mal no mundo, as vezes perco o fôlego. Entendo as pessoas que chegam à conclusão de que não há Deus”. 

A partir do silêncio de Deus podemos nos perguntar:
Por que o mal? Donde ele provém? Nenhuma pessoa pode responder a pergunta pela origem do mal. As indagações da filosofia não conseguem avançar para explicar o sentido do trágico e do absurdo. 

A Sagrada Escritura também não oferece uma resposta definitiva para a explicação do sentido do sofrimento, mas justapõe duas afirmações: a responsabilidade do homem por seu fechamento ao apelo de Deus e a realização final do plano de Deus, não obstante a permanente obstinação humana. 

A obstinação humana parece estar incluída num desígnio divino que a ultrapassa em compreensão. A fé cristã não explica nem justifica teoricamente o mal. Sua resposta é a confissão de fé em Jesus Cristo morto e ressuscitado. 

A verdade é que Deus não eliminou o mal do mundo mediante a promulgação de um decreto divino ou a realização de uma grandiosa teofania. 
Ao encarnar-se o Filho de Deus se fez um de nós, chegando em sua humanização até às últimas conseqüências na morte de cruz, sepultura e descida à mansão dos mortos. De dentro desse fracasso ele surge vitorioso. 

Essa é a proposta da fé cristã!
O enfrentamento do mal, a paciência em meio às derrotas de maior ou menor gravidade que ele nos aflige, a perseverança na esperança da vitória completa e definitiva do bem. Essa esperança já conhece um cumprimento antecipado na páscoa de Jesus. Esta é a garantia de que não estamos lutando em vão, mesmo quando episodicamente somos vencidos por forças potentes.  

"A fé é menos uma paz do que uma trágica esperança” (Camus)


A desgraça desafia-nos a reagir. 
As coisas não são assim porque são, mas estão assim para que eu interaja na vida e me pergunte sinceramente: O que posso fazer para que as coisas comecem a mudar?

A reflexão continua no próximo artigo...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.