Quinta-feira, 8 de abril de 2010.
Acordamos nesta manhã impactados pelas cenas da avalanche de lixo acontecido aqui em Niterói.
Com olhos em lágrimas, com o coração estarrecido diante de tamanha desgraça, acompanhamos pelos noticiários mulheres chorosas com a perda de seus filhos. Pessoas que chegam à beira da loucura pensando no resgate de seus familiares.
"No meio daquele cenário fatídico e miserável de um lixão, famílias inteiras gritam à beira do desespero."
Naquele mesmo momento, em que em nossas casas curtíamos o frio da estação, as primeiras chuvas da semana arrastavam quase 100 famílias para baixo de um montouro de lixo num bairro de Niterói.
A semana começava de forma trágica para centenas de pessoas.
A semana começava de forma trágica para centenas de pessoas.
Nas ruas escuras do morro ressoavam gritos de mulheres, crianças, feirantes e pesssoas comuns (até então anônimas) que mesmo acostumados à miséria, nunca aprenderam a aceitar a morte.
Diante da tragicidade do acontecido, nos pergutamos:
Porque esse povo tão pobre sofre tanto?
Porque certas pessoas carregam a "sina" de quase sempre "se darem" mal na vida?
Fico pensando....
Quantos cultos estavam sendo realizados naquele momento?
A quem Deus ouvia?
Será que Deus considerou ridículo o sermão do pastor que naquele momento prometia, em nome da Fé, uma semana cheia de prosperidade e de bênçãos para seus fiéis?
Perguntas que não querem calar...
Será que o Todo Poderoso seria obrigado a cumprir os desejos de um auditório egocêntrico, enquanto milhares de pessoas eram soterradas do outro lado do bairro?
Será que Deus pode ser tão perfeito que consiga separar tão perfeitamente momentos simultâneos?
Não consigo assistir às cenas pela televisão desde que aqui cheguei.
Permaneço em estado de choque pelo que vi.
Não esqueço aquela cena das pessoas num ponto de ônibus, agarradas umas às outras, gritando desesperadas por um socorro que não veio.
"Chorei quando a televisão mostrou o desespero de um pai desmaiado por haver presenciado o resgate do corpo de seu filho de um monturo de lixo."
Não me considero um exemplo de sensibilidade...
E nem minha empatia pela sorte dos desvalidos serve de modelo para a humanidade.
Mas afirmo: Se eu que sou mau, não consigo continuar impassível diante de cenas tão chocantes, Deus conseguiria?
Não. Definitivamente, Deus não pode ficar impassível diante de tanto sofrimento.
Sei o que os ateus de plantão já levantaram suas bandeiras, jogando na cara da divindade a culpa pela tragédia.
Alguns responderão que na sua providência eterna, Ele sabe o que faz e que seus “atos divinos” não podem ser medidos por nós, meros vasos de desonra.
Alguns ainda afirmam que Deus dá vida e mata quem quiser.
Confesso que já tentei, mas cheguei à conclusão...
Não há nenhuma força persuasiva no universo que me convença desses argumentos.
"Não aceito que Deus, para alcançar seu propósito, produza um sofrimento brutal em tanta gente miserável, que não pediu para nascer num país paupérrimo, só para levar o resto da humanidade à conversão."
Não. Este não é o Deus da Bíblia!
Outros argumentarão que Deus não pode ser responsabilizado por um holocausto...
Pelo simples fato de que não foi Ele quem colocou as pessoas pobres naquela situação de extrema miséria. Esses afirmam que embora Deus já soubesse todos os desdobramentos da avalanche, não fez nada, porque queria manifestar sua glória a um mundo rebelde.
Pergunto-me angustiado:
Será que a glória de Deus custa tão caro?
Será que para ensinar, Deus precise de ver tanta gente morrendo de forma tão trágica?
Meu coração continua inquieto.
Admito que não há respostas fáceis.
Eu não saberia como consolar os parentes das mais de cento e vinte pessoas mortas – um terço eram crianças.
Hoje sei que Deus não nos criou com o intuito de gerenciar todos os nossos atos.
Ele não queria que formássemos sistemas religiosos em que O responsabilizássemos por triunfos e tragédias humanas. Muito menos que usássemos do geo-sistema planetário para egoisticamente dominarmos nações inteiras em nome do capitalismo.
Só uma réstia da revelação brilha em minha alma:
"O Deus da Bíblia soberanamente criou o universo, mas ao formar homens e mulheres, abriu mão de sua Soberania nos concendendo LIBERDADE a fim de estabelecer relacionamentos verdadeiros. E tudo o que advém daquilo que produzimos passa ser responsabilidade nossa, inclusive o acaso".
Ele se despojou de sua onipotência para deixar-nos livres em nossas escolhas.
Assim Ele nos abriu o caminho da felicidade que começa com atitudes responsáveis de nossa parte perante a vida, a natureza e o mundo.
Por isso sinto que a morte de milhares de pessoas, machucou infinitamente mais o coração de Deus do que o meu...
Pelo pouco que conheço sobre Deus e sobre seu caráter me indica que há muitas lágrimas no céu.
Pelo pouco que conheço sobre Deus e sobre seu caráter me indica que há muitas lágrimas no céu.
Reconheço também que Deus pode se fazer presente no meio da tragédia.
Ele podia ter evitado (através de nós) muitas mortes, se déssemos ouvidos aos seus princípios e verdades e a humanidade usasse o dinheiro gasto em armas e bombas para viver num mundo mais justo.
Bastava que as autoridades não permitissem a construção daquelas casas e muitas vidas teriam sido poupadas.
Agora, o rosto de Deus se evidenciará nos pés e nas mãos de cada voluntário que acudir aos que choram.
Nas mãos dos bombeiros que estão empenhando seus esforços no encontro dos corpos soterrados.
Nas mãos dos médicos que doarão seu tempo para a causa dos mais necessitados de dignidade e saúde.
Nas mãos das pessoas que não se cansarão de levar uma palavra de conforto aos que perderam tudo na vida.
No rosto e na coragem dos agentes humanitários que não hesitarão entregar suas vidas pela causa dos mais sofridos.
É com esse tipo de pessoas que precisamos aprender quando falarmos de Fé e humanidade.
Essa é a questão.
Deus será percebido, creio.
Não podemos atribuir a Deus tal tragicidade.
Continuo perplexo diante de tudo o que nos sobreveio e sem repostas, mas espero que minhas intuições estejam me conduzindo ao rumo certo.
Salamaleiko.
Frei Eduardo F. Melo
Rio de Janeiro.
9 de abril de 2010.
9 de abril de 2010.
" DEus não pode impedir as tragédias, mas pode fazer com apredamos através delas". Renata.
ResponderExcluirFrei,
ResponderExcluirO que angustia nossa alma, é saber que essa tragédia não foi consequencia somente de fortes chuvas, e sim da falta de comprometimento do poder público sendo inertes aos problemas existentes, consentindo que familias construíssem casas em cima de um lixão.
O que alivia nossa alma, é crer que Deus está nas mãos, nos rostos de cada pessoa solidária, como você.
Paz e bem!!
Forte abraço.
Sempre morei em Niterói, amo a minha cidade. É muito difícil, caminhar nas ruas e ver um povo triste, bem diferente do povo da chamada cidade sorriso. É difícil dormir e acordar com o barulho do helicóptero e lembrar que lá ainda estão muitas pessoas soterradas e muitas angustiadas esperando notícias. É difícil pensar que quando as aulas retornarem posso não encontrar algum aluno ou encontrá-lo com cicatrizes formadas pela perda de um familiar. O que dizer?
ResponderExcluirOuvi com lágrimas nos olhos a Laura Beatriz, uma menina de oito anos, contar numa entrevista o que aconteceu com tamanha maturidade e mesmo em meio a tanta dor num coração tão pequenino, disse: “Deus me deu muitas coisas”. Ela tem toda razão, Deus no seu infinito amor pela humanidade nos deu “muitas coisas” sobretudo LIBERDADE e é essa liberdade que faz o homem muitas vezes errar em suas escolhas.
Foi isso que aconteceu lá no morro do Bumba, uma série de erros por parte das autoridades e dos moradores. Podemos culpar qualquer um, menos Deus, pois na noite anterior à tragédia, já havia ocorrido um deslizamento, o primeiro sinal de que algo errado estava acontecendo. Antes, o próprio histórico do lugar (Como construir casas sobre o lixo?). Deus não é culpado por isso, nem fecha os olhos à tamanha dor, muito menos quer provar seu poder ou qualquer outra coisa. Isso se fez muito claro nas palavras da Laurinha. Deus é bom e dele só podemos esperar coisas boas, o uso da nossa liberdade é que permite tragédias como essa.
Por outro lado, é muito bonito ver as pessoas comprometidas, tentando ajudar, dando o seu melhor, contribuindo para tentar amenizar o sofrimento do próximo.
Hoje a palavra que cresce na cidade é SOLIDARIEDADE! Tenho certeza que com fé vamos recuperar Niterói e Deus vai nos mostrar como levar a sua palavra para confortar e devolver a esperança ao seu povo.
Peço a Deus força e coragem para continuar a caminhada.
Ana Paula – Paróquia Santo Cristo dos Milagres
Frei Eduardo,
ResponderExcluirAs cenas da Tragédia de Niterói foram chocantes! Aliás como o RIo tem sofrido esse ano...Angra, centro do Rio e agora Niterói e outras cidades próximas. Em momento algum podemos atribuir esses horrores à vontade do Pai, pois Ele nos criou para a vida. Precisamos refletir sobre nossas ações com o meio ambiente, pois tudo é uma reação dele contra as barbaridades que já o causamos. Precisamos também refletir sobre a atuação dos Poderes Públicos que negligenciam demais com a vida dos cidadãos. Por que as leis são tão descumpridas, por que a justiça é tão lenta, por que não se investe mais em Políticas Públicas de Habitação no Brasil,enfim, não é para buscar culpados, mas sim refletirmos sobre nossa parcela de responsabilidade em cada uma dessas questões. O depoimento de Laura Beatriz (aquela menina de 8 anos que perdeu toda a família)foi emocionante. Quem poderá ser responsabilizado pela perda irreparável daquela criança????
Que Deus nos proteja e nos ilumine para sermos mais responsáveis com a VIda!